PALESTRA : A PROVA QUÁDRUPLA
Alberto
Bittencourt
(Palestra realizada no Rotary Clube do Recife, no dia 07 de abril de 2005)
O Rotary foi
fundado em 1905 numa época em que a palavra empenhada tinha um valor muito
forte. O que prevalecia, acima dos contratos
escritos e assinados, era o acordo de cavalheiros, garantido apenas pelo fio do bigode. O que se dizia
"apalavrado" era sagrado, seu cumprimento, uma questão de honra. Era esse o código de ética em vigor naquela Chicago conturbada pela corrupção e
pela violência do gangsterismo.
Os primeiros
códigos sobre ética remontam às origens da civilização, à Grécia antiga.
Faltam-me formação, cultura, conhecimentos, para discorrer teorias sobre
ética. A ética que tem sido objeto de tantos tratados, de tantos códigos, a
ética que se tornou inclusive uma palavra eclética, abrangente.
Frei Beto
identificou algumas éticas com as quais
devemos nos preocupar: a ética da
alimentação, num mundo dominado por múltiplas opressões; a ética da justiça, nessa realidade
estruturalmente injusta; a ética da
gratuidade, nesta cultura mercantilista, onde impera o interesse e o
negócio; a ética da compaixão, num
mundo marcado pela dor de tantas vítimas; a ética da acolhida, já que há tantas exclusões à nossa volta; a ética da solidariedade, numa sociedade
fortemente competitiva; a ética da vida, num mundo ameaçado pela violência, pelos
sinais de morte, na natureza e nos povos. São muitas as éticas, todas elas visando, a harmonia,
a universalidade, a excelência ou a
perfexibilidade, nos disse Frei Beto.
Na minha
formação de Oficial do Exército, aprendi a respeitar um código de ética que é o
Regulamento Militar. O que está escrito no regulamento deve ser cumprido
fielmente, do contrário o transgressor recebe punição, podendo até ir para a
cadeia. Essa é a minha formação de militar.
Os rotarianos
têm seus comportamentos baseados no Estatuto e no Regimento Interno do Rotary
Internacional que completou agora cem
anos de idade.
Uma das razões
da longevidade do Rotary é justamente a ética. Em questões de ética o Rotary é
inflexível, imutável. O Rotary de hoje é igual ao de 1905, quando foi fundado
por Paul Harris. A ética em Rotary é um princípio que não pode ter fim, e é
graças aos seus elevados padrões de ética, que o Rotary certamente
chegou aos 100 anos, e aspira alcançar mais cem anos de sucesso, chegar
ao seu segundo século de existência.
O primeiro
código de ética rotário data de 1915. A Prova Quádrupla foi criada em 1932, ano
em que a economia americana se recuperava do crash da bolsa de valores de Nova York A companhia de panelas
dirigida por Herbert Taylor estava em situação difícil, quando conseguiu,
através de uma mudança na sua filosofia, de uma mudança do seu relacionamento
com os empregados, com seus clientes, com seus fornecedores, reverter a
situação, e se tornar uma multinacional forte, importante, acompanhando a
recuperação da economia americana, se
inserindo dentro dessa recuperação.
Em 1943, uma
resolução do Conselho Diretor do Rotary International adotou a Prova Quádrupla
como um código de comportamento. Em 1954-1955, quando Herbert Taylor foi
presidente do Rotary International, ele doou ao Rotary os direitos autorais da
Prova Quádrupla, e ela se tornou então definitivamente a ética rotária.
Mas eu não
afirmo que a Prova Quádrupla seja um código, nem um tratado de ética. A Prova
Quádrupla, é apenas uma reflexão, é um teste, é uma indagação, é um
questionamento sobre o que nós pensamos, dizemos e fazemos, não é nada mais do
que isso.
Eu comparo muito
a simplicidade da Prova Quádrupla, face à complexidade dos códigos de ética,
comparando uma jangada, a um
transatlântico. Uma jangada é simples e perfeita, não afunda. Leva o
pescador, horas e horas a alto mar, para ganhar o seu sustento. Pode passar uma
tsunami por cima que ela continua a flutuar. Já o maior transatlântico, o mais
perfeito, como se dizia ser o Titanic, em 1912, um navio impossível de afundar,
afirmavam os engenheiros, não passou da primeira viagem. Eles tinham tanta
certeza que o Titanic jamais afundaria, que o número de lugares dos botes
salva-vidas, comportava apenas 1/3 dos
passageiros e tripulação. Resultaram do
naufrágio 1.500 mortos e 750 pessoas salvas.
A Prova Quádrupla, é como a jangada, fácil,
simples, não tem nada dos tratados complexos, porque quanto mais complexo é um
tratado, mais difícil ele se torna de ser aplicado.
Se alguém disser
aqui para vocês que vai falar sobre a Prova Quádrupla, porque tem anos de estudo e pesquisas sobre códigos de ética,
pode ter certeza de que ele não vai falar sobre a Prova Quádrupla, porque a
Prova Quádrupla, é apenas uma reflexão, são apenas quatro perguntas.
Nós diríamos que
a Prova Quádrupla pode ser comparada a quatro peneiras de malhas diferentes.
Tudo que pensamos, dizemos ou fazemos,
colocamos na primeira peneira: "É a verdade?" Passou, cai na segunda peneira de malhas mais
estreitas: "É justo para todos os
interessados?" Passou nessa peneira, vem a terceira peneira: "Criará
boa vontade e melhores amizades?" Passou nessa, vem a quarta e última peneira: "Será benéfico para todos
interessados?". Passou nas quatro peneiras, pode fazer, pode aplicar.
Uma vez em uma
visita, uma companheira, presidente de clube me perguntou o seguinte:
"governador, aqui no clube há uma proposta para atrair novos sócios,
jovens profissionais, que estão no início da carreira, ainda sem poder se
comprometer com uma mensalidade mais elevada, de adotarmos durante dois ou três anos para novos sócios,
uma mensalidade mais barata, metade da mensalidade em vigor no clube. É legal,
é lícito fazer isso?" Eu pensei, e
disse para a presidente: "aplique a Prova Quádrupla: _É justo para todos
os interessados?" Ela pensou e
respondeu: "não é." "Então, se não passa na segunda peneira, não
aplique."
Uma vez
perguntei a um comandante como fazer
para não cometer uma injustiça, ele respondeu apenas o seguinte: basta ter bom senso, se tiver bom senso não cometerá
injustiça.
Se nós levarmos
a Prova Quádrupla para todas as nossas ações, para nosso trabalho, nossas
relações familiares, relações comerciais, nós teremos a certeza de estarmos
agindo corretamente.
A primeira
pergunta da Prova Quádrupla: "É a verdade?" "Quid est
veritas?", perguntou Pilatos, " O que é a verdade?" A
questão é simples, não admite discussão. Ou é
verdade ou não é verdade.
A gente ouve por
aí qualificações sobre a verdade. Já chegaram até a proclamar a "verdade
verdadeira", como se a verdade
pudesse não ser verdadeira.
"Verdade
insofismável". Toda verdade é insofismável, não existe verdade sofismável.
"Verdade inquestionável". Toda
verdade é inquestionável, ou ela é
verdade, ou não é.
"Verdade
absoluta", como se existisse uma verdade relativa. Toda verdade é
sempre única, exclusiva, absoluta, não é como aquela música que .diz:
"mamãe estou ligeiramente grávida". Ou está grávida, ou não está,
assim é a verdade. Ou é verdade, ou não é.
Agora, existem
certos profissionais que não aceitam a
Prova Quádrupla, porque não pautam sua
conduta pela verdade, como por exemplo, um mau político, para o qual a verdade
muitas vezes é deturpada em favor de seus interesses eleitorais. Já dizia o
falecido senador Roberto Campos:
"em política o que interessa não é o fato mas a versão". Muitas vezes
um dirigente de órgão público, um ordenador de despesas que malversa os fundos
públicos, esse não comunga com a Prova
Quádrupla, já no seu primeiro quesito, porque honestidade é sinônimo de
verdade. Desonestidade não é verdade, a desonestidade não se coaduna com a
Prova Quádrupla. A verdade é uma só. Para algum advogado militante, muitas
vezes, a verdade é a do cliente que o contratou. Seu trabalho é fazer
prevalecer uma interpretação, ainda que contrarie a Prova Quádrupla
O segundo
quesito, a segunda peneira, "É justo para todos os interessados?" Eu encaro a justiça como
uma coisa que deva ser sempre objetiva, e não subjetiva. Eu encaro a justiça
como uma relação de causa e efeito. Se determinado assunto é justo, tem que ser
justo para todos os interessados. Se você considera a justiça como algo
subjetivo, como algo que não seja uma
relação de causa e efeito, o que é justo para um, poderá não ser justo para
outros. O que era justo para Hitler não era justo para os povos perseguidos, o
que é justo perante a ótica de Busch não
é justo para a ONU que não apoiou a invasão do Iraque. O
que era justo para os ingleses no tempo de Gandhi, não era justo para os indianos. A Prova Quádrupla, nos diz: tem
que ser justo para todos os interessados. Foi o caso da pergunta da mensalidade
que citei, todos os interessados quem são? são os rotarianos daquele clube.
Essa pergunta passa a ser objetiva, deixa de ser subjetiva, passa a ser uma
relação de causa e efeito.
A terceira
peneira: "Gerará boa vontade e melhores amizades?" Nessa pergunta
reside a finalidade do Rotary: a solidariedade, o companheirismo. Tudo que nós
fazemos deve somar. A solidariedade, a mútua-ajuda unem, a competição divide, a
não ser a competição de um jogo de futebol de salão, uma brincadeira, um
gincana, mas o que compete separa, por isso não está de acordo com a Prova Quádrupla.
A quarta
peneira, "Será benéfico para todos os interessados?". Gerar o bem é
também finalidade do Rotary.
Gandhi, uma vez,
foi à presença do Vice-Rei da Índia, manifestar seu protesto contra o imposto
sobre o sal, recém instituído. O sal, em certas regiões da Índia, é uma coisa
que se colhe facilmente na praia. A coroa
Britânica lançara um imposto sobre o sal. Gandhi compareceu à frente do
Vice-Rei e disse: "vim participar a V. Excia. que vou iniciar um movimento
contra o imposto do sal". Aí foi embora. Chegou na praia, pegou uma tigela
de sal e começou a caminhar. Juntou-se o
primeiro, juntou-se outro, outro, e em pouco tempo tinha se formado uma
multidão de 10 mil pessoas marchando silenciosamente com Gandhi, pacificamente
em direção ao palácio. Logo depois o
Vice-Rei, revogou o imposto do sal, porque ele não era benéfico para população.
O imposto que o
governo lance, pode ser benéfico para o governo mas pode não ser benéfico para
quem paga, como os aposentados por exemplo. Por isso tem que ser benéfico para todos os
interessados.
Numa sociedade em que o egoísmo prevalece, o
egocentrismo é expresso na lei de Gerson, da qual o então maior meia- armador
do mundo, tri-campeão mundial de futebol em 1970, não tem culpa, pois foi uma
propaganda de cigarro que fez na televisão: "como sou brasileiro, gosto de
levar vantagem em tudo". Essa lei prevalece nas relações, cada um quer
tirar proveito maior, vantagem maior, mas não é isso que a Prova Quádrupla
prescreve.
Então
companheiros, a ética da Prova Quádrupla
também prescreve o comportamento de cada um dentro de seu clube. Quando
nós tomamos posse, assumimos como
rotarianos o compromisso de pagar em dia
as mensalidades, freqüentar o clube, ou recuperar as faltas através de visitas
de a outro clube, de inclusive assumir uma posição de liderança, como a de
presidente uma vez chegado o momento. Se a gente se nega a isso e alguns clubes
têm grande dificuldades em escolher seus dirigentes, estamos despresando a
Prova Quádrupla, pois quando colocamos o distintivo nos comprometemos a um dia aceitar a
presidência ou qualquer outro cargo para o qual fôssemos convocados.
Já disse um
diretor do Rotary Internacional, que a oportunidade de dizer não é uma só, é quando se é convidado para ser
rotariano. Aí pode dizer não. A partir do momento em que ele se torna
rotariano, a sua obrigação é dizer sim a todas as convocações, a todos os chamamentos de trabalho, a todos compromissos de
servir. Se alguém aceitou assumir uma
função qualquer que seja, no clube, no distrito, se aceitou a função, não pode
depois se escusar, dizer não, ou fazer corpo mole, ou pior ainda, resistência
passiva. No momento em que ele aceitou aquele compromisso, passa a ser uma obrigação. Muita gente dentro do nosso próprio relacionamento não
cumpre isso.
Eu comparo a
nossa Prova Quádrupla a um mantra. Vocês sabem que as filosofias orientais, nas
meditações, repetem durante milênios palavras sagradas que se tornam pela sua
força, palavras que captam, concentram
uma energia muito forte. São os mantras. Eu sugiro aqui a todos vocês que tenham a Prova Quádrupla, como mantras.
Se você repetir 500 vezes: “é verdade,” você nunca vai cometer nenhuma ação que
não seja verdadeira. Se você repetir 500 vezes em pensamento: “é justo para
todos os interessados”, você nunca fará uma injustiça. Se você repetir: “criará
boa vontade e melhores amizades” 500 vezes, você sempre agirá assim, se
você repetir nas suas meditações: “é benéfico par todos os interessados” você
jamais vai fazer alguma coisa que não seja benéfico, e aí você terá se tornado
um verdadeiro rotariano, um pacifista
como foram Gandhi, Paul Harris e
tantos outros mestres pacifistas.
Obrigado
presidente por essa oportunidade, eu espero ter transmitido meu ponto de
vista.
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F I M
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