ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

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domingo, 4 de fevereiro de 2024

A ENGENHARIA DE CONSTRUÇÃO E O GEN RODRIGO OCTAVIO

 EVOCAÇÃO DE UM LÍDER



General Rodrigo Octávio Jordão Ramos



"Árdua é a missão de desenvolver e defender a Amazônia.  Muito mais difícil, porém, foi a de nossos antepassados em conquistá-la e mantê-la."  




A ENGENHARIA DE CONSTRUÇÃO  E O GENERAL RODRIGO OCTAVIO




Artigo de autoria do Cel Rodrigo Ajace Moreira Barbosa. Publicado na Revista do Clube Militar, do mês de Março de 1998 às págs. de 17 a 20.  


Em junho de 1949, ainda como 1º Tenente, fui transferido do Batalhão Escola de Engenharia no Rio de Janeiro, para o 2° Batalhão Ferroviário, localizado na cidade do Rio Negro, PR.  Naquela ocasião, tratava-se de uma novidade para a minha vida profissional, pois iria servir pela primeira vez em uma Unidade de Construção, engajada na execução de obras civis por delegação do antigo Ministério de Viação e Obras Públicas.  Como de praxe, procurei informar-me, tanto quanto possível, a cerca da nova unidade, inclusive a sua respectiva missão.  

Interessando-me com maior profundidade, a respeito do assunto de construção de estradas, tomei conhecimento de que o Exército, atento às suas responsabilidades atinentes à área de Segurança Nacional, havia realizado um reconhecimento terrestre, partindo da cidade de Rio Negro, PR, até atingir a cidade de Caxias, RS. Desse reconhecimento, surgiu a primeira ideia da nova ligação ferroviária, depois introduzida no “Plano Geral de Viação Nacional de 1934”, atingindo a cidade de Caxias no Rio Grande do Sul, com a denominação TM-7, Tronco Metropolitano 7, futuro Tronco Principal Sul, ligando o Rio de Janeiro a Rio Grande, RS, através de São Paulo - Engenheiro Bley -Rio Negro, Barra do Jacaré-Barreto-Pelotas.  


Em 11 de fevereiro de 1938, pelo Dec. Lei  Nº. 269, foi criado o 2°. Batalhão Ferroviário, com sede na cidade de Rio Negro e com a missão de construir o trecho Rio Negro – Caxias.  O Batalhão instalou-se em Rio Negro no dia 29 de julho de 1938, sob o comando do Cel. José Sérvulo Borja Buarque.  Este, imediatamente empenhou-se no cumprimento da missão da nova Unidade, iniciando as atividades de exploração pelo Vale do Rio da Lança, plantando a primeira estaca (estaca zero) na tangente imediata à saída  da ponte da Viação Paraná–Santa Catarina, na linha Mafra-São Francisco. 


Em julho de 1949, ao chegar à sede do Batalhão, em Rio Negro, o mesmo encontrava-se desdobrado ao longo  dos 231 km, que constituíam sua missão de construção.  Apresentei-me ao sub-comandante da Unidade, Major Alipio Aires de Carvalho, que logo informou que seria o substituto do 1°. Tenente Cássio de Paula Freitas, Chefe da Turma de Locação, acampado há seis meses, devendo preparar-me o mais rápido possível para assumir meus novos encargos. Sem perda de tempo, desloquei-me com destino à ponta do serviço para encontrar o Tenente Cássio e substituí-lo.  Estava ingressando no mundo peculiar da Engenharia de Construção. 


As organizações da Arma de Engenharia engajadas nesses trabalhos de execução de obras civis eram os Batalhões Rodoviários, os Batalhões Ferroviários, e as Comissões Construtoras de Estradas de Rodagem.  Essas organizações haviam, ao longo do tempo, desenvolvido uma mentalidade especial, caracterizada, salvo algumas excessões, por ter, como ideia predominante, o entendimento de que executavam missões técnicas de construção e, por isso, o mais importante era a obtenção de eficiência técnica e rendimento da produção nas construções executadas, relegando a um segundo plano as características militares na sua postura e procedimentos.  Os efetivos militares daquelas organizações eram mais reduzidos e predominava a mão de obra civil.  Esses dois últimos fatores contribuíram para o desenvolvimento daquela mentalidade a que me referi. Eu mesmo, quando cheguei a Turma de Locação do 2°. Batalhão Ferroviário, usei vestuário que não se enquadrava nos padrões do Plano de Uniformes. 

Usei botas de borracha e de couro cru, chapéu de feltro do tipo australiano e algumas vezes blusão de couro ou camurça, com as insígnias do posto na gola). 


Terminada a minha incumbência de Locação, em dezembro de 1949, apresentei-me na sede do Batalhão.  Como era da tradição da Unidade, depois de passar um período no ”mato”, fui designado subalterno da Cia. de Comando e Serviços, na sede. 


Gozei um período de folga, junto de minha família, no Rio de Janeiro, antes de assumir as novas funções.  De regresso a Rio Negro, em princípios de 1950, encontrei a unidade em clima de grande expectativa, em virtude da notícia da designação do novo Comandante do Batalhão, Ten Cel Rodrigo Octávio Jordão Ramos, conhecido pela fama de ser oficial extremamente exigente.  Entre os oficiais circulavam informações de que o Ten Cel Rodrigo Octávio havia participado de estudo realizado no âmbito do Estado Maior do Exército, que concluiu ser absolutamente necessário imprimir maior rapidez na construção do Tronco Principal Sul, de modo a acelerar a sua conclusão, por necessidades imperiosas de Segurança Nacional. Daí decorreu a diretriz de atribuir caráter prioritário à construção do TPS que já contava com as seguintes unidades de Engenharia engajadas na sua construção e que se encontravam já sediadas na Região Sul do país: 


    • 2° Batalhão Ferroviário, em Rio Negro, PR.  

    • 2º Batalhão Rodoviário, em Lages, SC. 

    • 3° Batalhão Rodoviário, em Vacaria, RS. 

    • 1° Batalhão Ferroviário, em Bento Gonçalves, RS. 


Para executar os novos encargos, as unidades deviam  sofrer certa reorganização compatível com tais missões.  Ao novo Comandante do Batalhão, foi determinado promover a sua necessária estruturação, de modo a poder cumprir a missão recebida. 


Naquele período de tempo, chamou-me a atenção um grupo de oficiais que se revelavam muito atarefados.  Esse grupo era constituído pelos Capitães Fernando Allah Moreira Barbosa e Brasilio dos Santos Sobrinho, ambos com o curso de Estado Maior ( que haviam ingressado na ECEME como tenentes), coordenados pelo Major Alipio Aires de Carvalho, também oficial do Quadro de Estado Maior.  A esse seleto grupo veio juntar-se, posteriormente, o jovem capitão Júlio Murilo Ross, diplomado pelo Forte Belvoir, (USA) e especialista em Equipamentos Mecânicos.  Eles estavam, naquela circunstância, elaborando os PPI - Programas Padrão de Instrução, que serviriam de guias para a instrução militar dos novos contingentes a serem incorporados naquele ano e que visavam à necessidade de novos efetivos para atender à reorganização do Batalhão.  Esse grupo de militares era muito respeitado no Batalhão.  

Sentíamos todos que estávamos vivendo um clima da maior vitalidade na rotina de nossa unidade.  


E soou a hora da chegada do esperado novo Comandante!


Percebemos todos os integrantes do 2°. Batalhão Ferroviário, o sopro de renovação que estava por acontecer.  O novo Comandante estabeleceu um prazo de trinta dias para que os oficiais e graduados providenciassem o uso correto do vestuário, de acordo com o Plano de Uniformes.  Logo foi instituída a parada matinal formal, com revista de tropa e o canto do Hino Nacional, seguida do desfile militar.  Iniciou-se a adoção de uma postura em que as atividades militares passaram a ter importância principal na vida diária da Unidade. A instrução militar cresceu de importância, pois era necessária à formação do novo contingente a ser incorporado, visando atender as necessidades de preenchimento dos claros existentes nos efetivos do Batalhão.  Observe-se que na apreciação do resultado de inspeções realizadas, pelo comando da 5ª. Região Militar, o 2º.  Batalhão Ferroviário obteve resultados excepcionais na instrução dos contingentes incorporados.   Essa “militarização” foi acompanhada de ações que buscavam aumentar-lhe a eficiência operativa no cumprimento da missão de construção, sua atividade fim.  A nova mentalidade foi cultivado com tal esmero que, em lugar da antiga organização, o que se viu foi uma unidade “guerreira”, cheia de entusiasmo contagiante, na busca da melhor execução de suas obrigações.  Esse elã e essa crença foram incorporados à vida diária da unidade. 


Tento traduzir o grau desse entusiasmo, mencionando o refrão da Canção do Batalhão. (Letra do Capitão Euler Ribeiro de Couto. Música de Ernesto Togo Guedes) :


Salve o nosso incontido e temerário, 

Segundo Batalhão Ferroviário.


O desempenho exemplar que passou a ter o 2º Batalhão Ferroviário serviu de estímulo às outras unidades engajadas na construção do TPS que, reorganizadas, adotaram a mesma postura em face das missões que lhes cabiam executar. 


Em procedimento aos sucessos alcançados, em 1951, o Batalhão recebeu a denominação honrosa de “Batalhão Mauá” como justa homenagem a Irineu Evangelista de Souza (1813-1889), o Visconde de Mauá, empresário dinâmico, industrial e financista brasileiro. Recordo-me do orgulho com que usávamos o distintivo de braço, ostentando as Armas do eminente Visconde de Mauá. 


Ainda no ano de 1951, durante o segundo governo de Getúlio Vargas, o Batalhão recebeu a visita do Vice Presidente da Republica, joão Café Filho (1899-1970), o qual percorreu os canteiros de trabalho das obras de grande porte do Batalhão, tais como túneis, viadutos e pontes. Tal foi a impressão favorável causada pelas obras executadas e em execução que, ao se despedir, o sr. Café Filho manifestou o desejo, como bom nordestino que era, de ver instaladas Unidades de Engenharia no Nordeste, que fossem basicamente, destinadas a promover o desenvolvimento da Região, com o mesmo entusiasmo e competência demonstradas pelo Batalhão de Rio Negro. Mais tarde, quando Café Filho assumiu a Presidência da República, em consequência do suicídio do Presidente Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, pode realizar aquele seu desejo. Efetivamente, por Decreto de 19 de janeiro de 1955 foram criados, no Nordeste, as seguintes unidades de Engenharia de Construção: 


   • 1º Batalhão Rodoviário, em Caicó, RN. 

   • 3° Batalhão Rodoviário, em Campina Grande, PB. 

   • 4° Batalhão Ferroviário, em Crateus, CE. 

  

Logo em seguida foi criado o 1º Grupamento de Engenharia, em João Pessoa, PB, com o objetivo de enquadrar essas novas Unidades de Engenharia.  


A missão dessas Unidades no Nordeste era muito complexa, pois se destinavam, especialmente, à execução de obras de rodoferroviarias, obras contra as secas e atividades sociais de amparo aos flagelados, vítimas das calamidades cíclicas das secas


Rodrigo Octávio, já promovido a Coronel, foi o grande inspirador da criação dessas Unidades. Para a formação dos seus quadros,obteve a cooperação de vários oficiais e graduados que serviram no 2°. Batalhão Ferroviário e na experiência das unidades que se encontravam engajadas na construção do TPS. Dessa forma conseguiu levar para o Nordeste o mesmo entusiasmo e correção no cumprimento do dever, características marcantes do 2º. Batalhão Ferroviário, que passaram também a ser evidentes no desempenho das Unidades de Construção  do Nordeste. 


No início da década de 60, o Cel Rodrigo Octávio comandou, com o brilhantismo de sempre, o Batalhão Ferroviário de Bento Gonçalves, RS. Foi a segundo Unidade de Engenharia de Construção a comandar e que, também, encontrava-se engajada na construção do TPS. 

Mais tarde, no fim da década de 60, já como General  Cmt do CMA, em Manaus, com a costumeira determinação, Rodrigo Octávio estimulou a criação e instalação do 2º Grupamento de Engenharia, na capital do Amazonas, quando procurou consolidar e transmitir os fundamentos da conduta militar, nas unidades que o 2°. Grupamento de Engenharia passou a enquadrar. 


Hoje pode-se dizer ter sido tão marcante o Comando do Ten Cel Rodrigo Octávio no 2º Batalhão Ferroviário, com as consequentes repercussões na notável atuação da Engenharia de Construção e mesmo na Arma de Engenharia, como um todo dentro do Exército, que ouso afirmar que a história da Engenharia de Construção se divide em dois períodos bem distintos, antes e depois do Comando do Ten Cel Rodrigo Octávio em Rio Negro.  

Os militares de Engenharia que pertenceram aos efetivos do Batalhão Mauá daquela época foram testemunhas e personagens da revolução que se processou na Arma de Engenharia.  


Esse período de serviço no 2º. Batalhão Ferroviário nos permitiu absorver alguns fundamentos do comportamento militar daquele Chefe que constituíam o arcabouço do seu notável desempenho de comando. Vejamos alguns de seus lemas: 


  • A missão que ele cumpria, no momento, era a mais importante da face da terra.
  • Nunca se deve dizer que uma tarefa não pode ser executada, antes de tentar realizá-la com todo empenho.  
  • Quando chegarmos ao limite de nossa capacidade física ou intelectual, ainda assim, podemos solicitar de nós mesmos um esforço adicional. Esse sobre-esforço adicional será dado se o desejarmos com toda a nossa vontade. 
  • As coisas difíceis podem ser efetivadas agora e as impossíveis no tempo imediato. 


Ao desempenhar as funções de Prefeito da sede do Batalhão, identifiquei uma outra maneira de administrar do Ten Cel Rodrigo Octávio. Nunca conseguia, por maior que fosse o meu esforço, “estar em dia” com as tarefas que dele recebia.  Estava permanentemente “devendo alguma coisa”... Isso representava outra característica da sua forma de comandar: exigia da equipe o desempenho máximo e cobrava, permanentemente, os resultados das missões que atribuía a cada um.  Os resultados altamente positivos que alcançava eram evidentes para qualquer observador que analisasse o desempenho do 2º. Batalhão Ferroviário.  


A série de experiências proporcionadas no tempo de serviço no Batalhão Mauá, leva-me a concluir que os numerosos fatos e acontecimentos ocorridos em Rio Negro, tiveram como principal catalizador aquele brilhante chefe.  Digno de registro era o expressivo número de oficiais briosos que se estimulavam mutuamente pelo exemplo do chefe, formando um grupo de alta qualificação constituído por oficiais de Estado Maior e Engenheiros Militares diplomados pela Escola Técnica do Exército (atual Instituto Militar de Engenharia). 


Merece uma referência especial a plêiade de Engenheiros Militares do Batalhão, sob a firme liderança do Major Kelvin Ramos Bittencourt. Este, um técnico por formação e convicção, não se deixou atingir pela aparente maior importância dada aos deveres militares, em detrimento, às vezes, dos aspectos técnicos. Com sua visão arguta, percebeu que a mudança de comportamento militar da unidade acabaria por beneficiar o cumprimento das missões técnicas de construção. Com esta compreensão, liderou sua equipe de Engenheiro Militares, propiciando apoio irrestrito ao seu comandante, fato este que contribuiu para o sucesso invulgar do Batalhão, no afã do cumprimento de sua missão.


Desejo ressaltar, igualmente, o quanto é importante para os oficiais mais jovens ter um comandante que chefie e lidere seus oficiais e demais componentes de sua tropa.  Este fato concorre para a formação de um profissional competente, além de estimular os oficiais mais antigos a transmitir aos mais jovens os ensinamentos que decorrem do exercício do comando. 


Tive oportunidade de servir, posteriormente, mais amadurecido, com o General Rodrigo Octávio, várias vezes, como no EMFA, no Conselho Nacional de Transportes e no Ministério de Viação e Obras Públicas (gestão do Marechal Juarez Távora). Nesses repetidos contatos profissionais consolidei a admiração por aquele destacado chefe militar. 


Não se deve esquecer, finalmente, que Rodrigo Octávio Jordão Ramos (1910-1980) foi promovido a General de Brigada em 25 de julho de 1964 e atingiu o topo da hierarquia militar, como General de Exército em 25 de novembro de 1970. 


Exerceu as altas funções de: 

   –  Ministro da Viação e Obras Públicas (1955);

   –  Chefe do Departamento de Produção e Obras Publica (1970);

   – Comandante da Escola. Superior de Guerra (1971);

   – Chefe do Departamento Geral de Serviços (1972-73);

   –  Ministro do Superior Tribunal Militar  (1973 - 79);


Faleceu no dia 6 de julho de 1980, dois dias antes de completar 70 anos de idade.  


quinta-feira, 3 de junho de 2021

HIGIENE MENTAL


HIGIENE MENTAL

Alberto Bittencourt - Recife, agosto de 2012



Certa noite, em minha costumeira dificuldade de dormir, após ter dado mil voltas, para um lado e para o outro, tanto na cama como nos pensamentos, inquieto de corpo e alma, com a garganta ressequida, resolvo levantar para beber um gole d’água. Ao chegar à cozinha, lá estava ele, sentado à mesa, absorto na leitura de um livro. Sem mover a cabeça, levanta o olhar por cima dos óculos:

_ Que se passa com você, meu amigo?

_ Não consigo dormir. Não sei mais o que fazer.

O homem balança a cabeça para um lado e para o outro. Meu pensamento voa para o berço de minhas lembranças. Transporto-me de volta aos bancos escolares, Colégio Militar do Rio de Janeiro, 1954, primeira série ginasial, onze anos de idade. Estou diante do Professor Pastorino. Ele usa sempre uma bata branca, de óculos, nem gordo nem magro, andar e fala mansa. Era um dos poucos professores civis daquele educandário.


Carlos Juliano Torres Pastorino foi meu professor de latim, por três anos consecutivos, da primeira à terceira série. Foi um dos que mais marcou minha personalidade em formação. Desde logo tornou-se um substituto da imagem de meu pai, precocemente falecido.


Nasceu no Rio de Janeiro em 1910 e faleceu em Brasília, em 1980. Ordenou-se padre em Roma no ano de 1937, mas abandonou a batina diante da recusa do Papa Pio XII em receber o Mahatma Gandhi em seu traje habitual, raciocinando que o célebre pacifista indiano vestia-se como Jesus Cristo. Poliglota, lecionou latim, grego, espanhol e esperanto. Passou a estudar e praticar a religião espírita após receber de um colega professor do Colégio Pedro II, um exemplar de “O Livro dos Espíritos".


Foi um dos idealizadores e fundadores, em 1958, do Lar Fabiano de Cristo, entidade beneficente da CAPEMI – Caixa de Pecúlio dos Militares, que atende a mais de 8 mil crianças e suas famílias absolutamente carentes em diversos estados do Brasil.

No Recife, o Lar Fabiano de Cristo mantém, além da escola Rodolfo Aureliano, na Várzea, o Lar de Cáritas, situada no Jardim Piedade, municipio de Jaboatão dos Guararapes, creche que abriga mais de 300 crianças, à qual meu clube, o Rotary Club do Recife-Boa Viagem, assistiu com seis projetos de Subsídios Equivalentes da Fundação Rotária (*).

Naquela noite indormida, o Professor volta-se para mim e diz, quase num sussurro:

_ Meu amigo, você sabe para o que serve a noite?

_ Para dormir, respondi.

_ Sim, mas existem dois modos de dormir. Dormir, para se recuperar das fadigas do dia, para repor as energias gastas, e dormir para enriquecer o espírito. A maior parte das pessoas conhece apenas as noites vazias do bem merecido repouso. São raros aqueles que usam a noite como fonte de inspiração. Ah, meu caro, se você soubesse os tesouros que a noite encerra...

Meu espírito se encanta: _Como assim?

Ele fecha o livro e me olha firmemente:

_ Sabe qual é a parte do corpo mais suja ao fim do dia? Não são as mãos, não são os pés. Não, não! É dentro das nossas cabeças que nós estamos mais sujos. Sabe por quê? Porque nós passamos todos os dias em permanente julgamento de nós mesmos. A todo instante nos anulamos, nos apequenamos, nos violentamos. Vivemos sob constante pressão, em permanente estado de culpa. Isso é o que nos suja, pois sabe quem é o autor de tudo isso? Nossa própria mente.

_Como então, prossegue o Professor, podemos dormir com serenidade, tendo tanta sujeira na mente? Meu caro aluno, para passar uma noite calma e bem dormida, é preciso antes fazer uma limpeza da mente, lavar a sujeira acumulada.

_Mas, Professor, como se faz essa limpeza?

_Ora, é simples. Assim como fazemos a higiene corporal, tomamos banho, limpamos e lavamos o corpo, devemos praticar a Higiene Mental, cuidar da mente, lavar a sujeira acumulada em nossos pensamentos.

_De que modo? Perguntei.

_Basta que, antes de dormir, você faça um balanço de seu dia, desde o instante em que acordou, pela manhã. Procure reviver os momentos mais agradáveis. Pense no que lhe fez mais feliz. Desse modo, você aliviará seu espírito da carga dos autojulgamentos e você, então, terá a alegria de saber o que você é e o que poderá ser realmente, em lugar de ficar se reprovando pelo que você não foi. Com o espírito mais leve, você dormirá a noite toda, como uma criança. Ah, a noite, se você soubesse como a vida interior é mais bela, mais fácil de ser vivida, justamente porque nela não há o medo nem a angustia da vida exterior. Para usufruir, basta praticar a Higiene Mental.

Era o professor Torres Pastorino, de volta das salas de aula.

No tempo de estudante, ele me indicou dois livros, considerados precursores da Higiene Mental. Ainda hoje os tenho, como preciosidades em minha biblioteca:

1. “Um Espírito que se Encontrou a si Mesmo” de Clifford W. Bars (1876-1943), escrito em 1908, ainda adotado em cursos de psicologia. Nele, o autor conta, em autobiografia, os sintomas que sentia até chegar à loucura, que o levou a ser internado por três anos em hospício, numa época em que os tratamentos eram irracionais e desumanos. Num surto, o autor atirou-se pela janela do terceiro andar. Machucou-se bastante, mas a recuperação física foi acompanhada pela recuperação mental. Curado, relatou no livro a experiência, dando origem à ciência da Higiene Mental. Clifford foi o fundador e presidente da Sociedade Americana de Higiene Mental.

2. “Roteiro da Saúde Mental” do prof. Emilio Mira y Lopes (1896-1964) editora José Olympio, escrito em 1956. Psicólogo e psiquiatra, escritor e conferencista, o autor lecionou em várias universidades pelo mundo e terminou no Brasil, onde faleceu.

Dono de voz clara, pausada e límpida, o Professor Pastorino, além de escritor e professor, era também radialista, jornalista, teatrólogo, escritor, historiador, filólogo, filósofo, poeta e compositor. Ele adotava o nome artístico de Carlos Juliano em seu programa na rádio Copacabana, no Rio de Janeiro, intitulado “Higiene Mental”, que eu ouvia diariamente.

Assim conduzia os pensamentos dos ouvintes:

_Pense num lugar tranquilo, à beira de um lago de águas claras e transparentes... ou,
_Pense numa época em que realmente você era feliz...  ou ainda:
_Mentalize uma onda de luz e amor, que vai crescendo e lhe envolvendo, transborda para seus parentes, amigos, e até para os dirigentes das nações, trazendo a paz e a harmonia...




Ainda hoje, nas reuniões semanais do Rotary Club do Recife-Boa Viagem, eu encontro com o professor Torres Pastorino. Por ocasião da Oração Rotária, é feita a leitura de uma mensagem, tirada ao acaso, de seu pequeno livro “Minutos de Sabedoria”. São mensagens de fé, esperança e amor, que nos enlevam o espírito, servem para nossa reflexão e crescimento que, durante anos foram apresentadas, nas diversas horas do dia, através do microfone da Rádio Copacabana. O livrinho pode ser encontrado junto aos caixas da maioria das livrarias do país, editado pela editora Vozes em 1960. Já vendeu mais de dez milhões de exemplares e continua vendendo.

Agradecido ao Professor, voltei para a cama e dormi feliz, até o dia amanhecer.



(*) Veja no link UMA HISTÓRIA DE AMOR, abaixo, o trabalho do Rotary Club do Recife_Boa Viagem com o Lar de Cáritas:


















segunda-feira, 17 de agosto de 2020

CINQUENTA ANOS DE FORMATURA

CINQUENTA ANOS DE FORMATURA 
Alberto Bittencourt - dez 2013 



Tenho muito orgulho desta foto, tirada a 20 dezembro de 1963, por ocasião de minha formatura como Aspirante a Oficial da Arma de Engenharia, AMAN - Academia Militar das Agulhas Negras. Nela recebo um prêmio das mãos do então comandante, Gen. Bda. Emílio Garrastazu Médici

Agradeço  ao Gen Cupertino, colega de turma, a lembrança das palavras do Chefe Militar à "Turma Sesquicentenário da Academia Militar":

 "Árdua é a missão constitucional do Exército. A pesada responsabilidade inerente ás suas finalidades, confere-lhe relevante papel no complexo mecanismo da vida da Nação e dele exige, como tem ocorrido desde os primórdios de nossa formação histórica, que se mantenha íntegro e alerta, para impor o respeito á lei, á ordem e ás instituições, e para defender, intransigentemente, os postulados básicos de nossa soberania"  

(Trecho do discurso do Gen Bda Emilio Garrastazu Médici- Comandante da AMAN, em 20 dez 1963, quando da Declaração de Aspirantes da Turma Sesquicentenário da Academia Militar).

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

DISCIPLINA


DISCIPLINA


Alberto Bittencourt - junho de 2018
                     

         
                            


A disciplina militar prestante,
Não se aprende, senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando

                                                                      Camões                                      


Os versos de Camões, apostos na pérgola sul do Conjunto Principal 1 da   AMAN – Academia Militar das Agulhas Negras, são um chamamento e um lembrete do sagrado princípio da disciplina militar. Cunhada na Casa da Moeda, a placa de bronze foi inaugurada por ocasião da transferência da Escola Militar do Realengo para Resende, RJ. São as quatro últimas estrofes do Canto X dos Lusíadas, cujo teor original é o seguinte:


            De Phermião, philosopho elegante, 
            Vereis como Annibal escarnecia, 
             Quando das artes bellicas diante
             D’elle com larga voz tratava e lia. 
             A disciplina militar prestante
             Não se aprende senhor, na phantasia, 
             Sonhando, imaginando ou estudando;
             Senão vendo, tratando e pelejando.

               Luiz Vaz de Camões
               (Canto X, estrofe CLIII - Lusíadas)

A disciplina é base de toda organização militar. Compreende a disciplina externa e a disciplina interna. A primeira, significa o respeito aos superiores hierárquicos, obediência às leis, normas e regulamentos. A segunda, também chamada de auto disciplina, é a convicção de agir da forma correta. É o amor à Pátria, ao Exército, à Família.

Assim como a liderança, a disciplina só se aprende praticando.
Desde cedo, aprendi a dar valor aos conceitos de disciplina. Filho de família de militares, eu cursava a primeira série ginasial do CMRJ quando um ataque  do coração tirou a vida de meu pai. Tornei-me então aluno da categoria gratuito órfão. 

Costumo dizer que tudo o que sou devo ao Exército. Do Colégio Militar, fui para a AMAN, onde me formei em 1963, oficial da Arma de Engenharia, e depois cursei o IME – Instituto Militar de Engenharia, graduando-me em 1971, engenheiro militar, de Construções e Fortificações.

O PÁTIO TENENTE MOURA - PTM






O pátio de formaturas do Conjunto Principal da AMAN tinha o nome de Pátio Tenente Moura, comumente chamado pelos cadetes de PTM. Sendo quase desconhecido o Tenente Moura, resolveram mudar o nome do Pátio para Pátio Marechal Mascarenhas de Morais. A cadetada imediatamente o batizou como P3M, por analogia com PTM e sonoridade parecida. Posteriormente, o antigo nome foi restabelecido.  Nesse pátio, o PTM, diariamente o corpo de cadetes realiza sua formatura matinal, nas frias manhãs da  cidade de Resende.
Ao som da banda militar, os desfiles se realizam sob a frase, afixada no alto do Pavilhão Principal, de forma a ser bem visível pela tropa em marcha:

Cadetes, ides comandar, aprendei a obedecer.

A frase sintetiza todo uma filosofia de ensino e aprendizagem. Associa-se à outra frase, que está sempre aposta nas reuniões de Treinamento de Governadores eleitos do Rotary.

Entre para aprender, saia para servir.

Assim como obedecer está para comandar,
aprender está para servir.
quem obedece, está servindo;
quem serve está aprendendo.
Tudo implica em disciplina.

COLÉGIOS MILITARES

Quando eu era menino, as mães de meus colegas de rua, olhavam-me naquele incômodo uniforme de brim caqui e vermelho, túnica abotoada até o pescoço e quepe, com uma ponta de inveja. Elas diziam que estudar no Colégio Militar era um raro privilégio pelas seguintes razões:

  • qualidade de ensino
  • prestação de serviço militar – reservista de 2ª categoria
  • disciplina
Sendo que esta última era, sem dúvida, a mais importante.

A disciplina do corpo docente sempre foi uma característica dos Colégios Militares.
Mais tarde verificou-se o valor da disciplina, pelos resultados das provas do ENEM em que os Colégios Militares do Brasil figuram sempre nos primeiros lugares, de Norte a Sul. 

Se hoje eu posso dizer que sei escrever graças ao que aprendi no Colégio Militar do Rio de Janeiro.
Desde a quinta série do curso ginasial, até a terceira série científica, hoje Ensino 
Fundamental 2 e Ensino Médio, havia a tarefa semanal de fazer uma redação. Nas aulas, nas provas de português, em casa. Todas as redações eram corrigidas em detalhe por professores bem motivados, que assinalavam erros, gramaticais, ortográficos, de concordância e outros. No final davam o grau, variando de zero a dez.

Como não aprender a escrever? Quando vejo hoje faculdades de direito ou de jornalismo em que os alunos nunca ou raramente escrevem, e dali saem semi-analfabetos, ou quase analfabetos funcionais em termos de linguagem, dou valor ao ensino que recebi do Exercito por professores militares da melhor competência.

Mas não foi apenas em português – Nas ciências exatas também o ensino era levado muito a sério. Ciências Naturais, Física, Química, Matemática, Descritiva, era preciso realmente estudar, praticar, fazer exercícios e tarefas. Que diferença para o que se vê hoje em dia, principalmente no ensino público, em que professores inescrupulosos entram em greve, por dois ou três meses, insuflados por sindicalistas interesseiros, na busca de novas conquistas trabalhistas ou melhores salários.

Por isso, a minha geração os militares tanto prezam a disciplina.


AMAN - ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS

Ao chegar à AMAN, os novos cadetes, vindos de todos os recantos do Brasil, de origens bem diversas, posto que alguns vieram dos diversos Colégios Militares, outros das Escolas Preparatórias e havia ainda os oriundos do meio civil, dos vários estados do Brasil.  Para homogeneizar o grupo, a primeira semana era dedicada à ordem unida. Seis horas por dia, sendo as duas outras reservadas para educação física. O efetivo, em torno de 300 ou mais alunos por turma, era dividido em pelotões, cada um sob o comando de um tenente. Assim ficávamos horas e horas marchando no pátio de cimento, sob um sol às vezes escaldante, no início sem banda, a tropa evoluindo ao comando da voz do tenente. 

Naquele momento, as individualidades eram sufocadas pelo coletivo. Quarenta jovens perfeitamente sincronizados, em que o movimento de cada um era o movimento do todo, em que cada aluno deixava de ser um e passava a ser uno. E cada um queria que o seu pelotão fosse o melhor. Ninguém podia errar, para não comprometer o conjunto. E a tropa evoluía quase que sozinha, reagindo aos comandos da voz com precisão e automatismo.

Assim, quando o todo passa a vigorar sobre a individualidade, quando o conjunto, o coletivo passa a ser mais importante que a unidade, o objetivo é alcançado. Mesmo sincronizados os movimentos ao final de horas e horas de treinamento intenso, não se podia relaxar. Havia que se manter a sinergia. 

Atingindo o que se chama, na tropa de Espírito de Corpo, não se podia, em momento algum esmorecer, pois o Espírito de Corpo, assim como a disciplina militar prestante têm que ser praticadas diariamente, em todos os instantes, a todo momento, sob pena de se diluir no tempo e no espaço. 

Pode parecer difícil, para quem de fora observa, mas para o soldado ou o cadete, que vivencia, que está dentro do contexto, torna-se fácil. Ele se adapta perfeitamente à esse novo modo de vida e passa a se alimentar dele e a alimentá-lo, para ter sucesso e viver.

O Espírito de Corpo no Exército, tem que ser levado até as últimas  conseqüências. Ninguém pode titubear ou ser fraco ante o inimigo, no inferno da guerra. Se o treinamento tiver sido falho, se o Espírito de Corpo não prevalecer, o foco pode ser desviado para outros objetivos, por outros agentes, para causas não tão nobres.

Para tanto, há que se treinar, preparar, ensinar, aprender. Um jovem de 20 e poucos anos, colocado com poder na mão, em território hostil, se não estiver muito bem preparado, pode perder o foco dos objetivos mais nobres da missão que recebeu e se deixar levar pelas paixões que se entrelaçam.

Para preservar a autoridade do uniforme que veste, da missão que recebeu ele não pode perder de vista os objetivos maiores do serviço que presta.
Isso explica os excessos e desvios que por vezes são praticados por militares durante as guerras. Eles deixaram de se considerar unos com o todo, com o coletivo e foram aliciados pelas paixões exacerbadas.

O que fazer? Todo excesso deve ser punido exemplarmente . Não  pode comprometer o sucesso da missão, mas deve evitar que fatos indesejados aconteçam. Deve-se inclusive verificar se os mesmos foram devidamente instruídos a respeito da nobreza da missão que lhes cabe desempenhar. Qual o papel de cada um, qual a razão da tarefa a se desincumbir, os tipos de procedimentos em cada caso, as consequências passíveis de ocorrerem. 

O que fazer em casos de desarticulação, individual ou coletiva? O emprego das armas deve ser muito bem estudado, porque, em se tratando de vidas humanas, nenhuma missão é menor ou secundária.  Quando o meio em que se vai atuar é diferente do meio em que se está habituado, há que se manter a qualquer custo a ordem, disciplina, o respeito à autoridade. 

Quando as pessoas se consideram vítimas do estado, algoses da sociedade, submissas ao poder paralelo dos traficantes, ante a omissão e o descaso dos poderes constituídos, tudo pode acontecer.




CASTRO ALVES.


"Não cora o livro de ombrear co'o sabre

E nem cora o sabre de chamá-lo irmão."

Castro Alves

 

Esta frase, está escrita na pérgola da AMAN- Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, Estado do Rio.

Nela, Castro Alves reporta-se à compatibilidade entre as ações militares / esportivas e as intelectuais.

Comprovei a veracidade de tal assertiva durante o meu curso de formação de Oficial do Exército.

Na AMAN os mais brilhantes alunos na parte intelectual são também os mais destacados atletas na parte esportiva.

Uma comprovação da máxima aposta no muro do campo de futebol do CMRJ – Colégio Militar do Rio de Janeiro:

MENS SANA IN CORPORE SANO




quinta-feira, 6 de agosto de 2020

ESTIGMA DE ESTIMAÇÃO

ESTIGMA DE ESTIMAÇÃO 

Alberto Bittencour 21 ago 2014 - fl 55/20 

 O tempo vai passando muito rápido, cada vez mais rápido e a vida continua numa boa. Nem tudo são flores, entretanto. Seria ótimo se a vida continuasse Sempre numa boa, mas a gente tem que se virar. 

 Eu tenho um estigma em minha vida. É o meu conceito do final de curso da AMAN - Academia Militar das Agulhas Negras - . Aparentemente trouxe uma incoerência. O conceito geral EXCEPCIONAL, com uma restrição escrita em vermelho:

 ” A sua capacidade de organizar, planejar, é pequena”. 

 Não me aborreci com essa restrição, por reconhecer que realmente possuo essa deficiência. Nunca uma avaliação a meu respeito foi tão precisa e correta. Tenho dificuldades para planejar e organizar ações. Avaliado aos 21 anos de idade, hoje, aos 71, cinquenta anos depois, sinto que ainda patino na mesma dificuldade. Aos 71 anos, não consigo planejar nem organizar a minha própria vida. Aposentado, sem obrigatoriedade de horário, dono de meu próprio tempo, não consigo administra-lo. Isso de dizerem que aposentado tem tem tempo de sobra, para mim não funciona. Eu, aposentado, não tenho tempo para nada. Ando sempre a reboque, puxado ou empurrado pelos fatos, acontecimentos, pessoas. Não consigo tomar iniciativas.

 O tempo passa, a vida passa, e tudo continua numa boa. Entrei no Rotary em 1987. Há 27 anos, portanto. Galguei altos postos, funções de responsabilidade. Tenho providências urgentes a tomar, preparar eventos que não podem esperar. Mas o tempo passa e cadê as providências? Há muito o que fazer, mas reuniões e mais reuniões às quais não posso deixar de comparecer, muito me atrapalham. Somente no dia de hoje, foram em número de três. Terá sido um dia perdido, ou um dia ganho? Não sei responder. 


segunda-feira, 3 de agosto de 2020

O TEMPO VAI PASSANDO

O TEMPO VAI PASSANDO. - 

Alberto Bittencourt. - 31 de Março de 2014  fl 26/14


Incrível como o tempo vai passando sem que a gente se dê conta. Amanhã já é dia 1° de abril de 2014. Cinquenta anos são passados daqueles dias intensos em que vivi a Revolução de 31 de março de 1964.

Aos vinte e um anos de idade, completados em novembro, recém formado Aspirante a Oficial do Exército, eu me apresentara em fevereiro  no BESE - Batalhão Escola de Engenharia - unidade modelo, integrante do GUEs - Grupamento de Unidades Escolas. Tratava-se o G UES, de um conjunto de tropas, cuja finalidade era dar apoio aos capitães alunos da EsAO - Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Essas unidades escola realizavam demonstrações práticas no terreno, como complemento às aulas teóricas nos bancos escolares.

Os alunos do Curso de Engenharia da EsAO recebiam instrução teórica, nos bancos escolares, sobre as diversas matérias. Por exemplo, a construção de pontes de equipagem. Aprendiam a calcular o material, a dimensionar o número de caminhões de transporte, as equipes para as manobras de montagem e, em seguida, iam assistir na prática a teoria que haviam estudado. Essas manobras eram um eterno sacrifício para nós, soldados de engenharia - os pontoneiros. 

O trabalho era árduo e demandava tempo. Com quinze dias de antecedência já começávamos a carregar as viaturas com a ponte B4A1. E que viaturas! Eram caminhões Dodge, antigos, sem direção hidráulica, sem ar condicionado, sem sincronização nas marchas, o que exigia do motorista, dupla debreagem. Os motores quase estrebuchavam na subida da serra das Araras, a 10 km/h, na via Dutra, rodovia Rio-São Paulo. Na cabine, o calor era insuportável. Devia chegar a 60° C. Enquanto os caminhões se arrastavam, o barulho que saia do motor, para quem sentava na boleia, era ensurdecedor, chegava às raias do infernal. Coisa para macho, mesmo. 

Cada viatura transportava um pontão B4A1, com remos e material salva-vidas. 

Viajávamos em comboio, a uma velocidade máxima de 45 km/h. Chegados ao local do lançamento da ponte, às margens do rio Guandu, desce todo o material, para organizar o canteiro de trabalho. Tudo era muito bem planejado. O material ficava arrumado, disposto de modo estratégico para a montagem da ponte. Primeiro os pontões de ferro eram lançados manualmente na água, sob a voz de comando dos chefes das equipes de seis pontoneiros cada: 

AO BRAÇO...FIRME!

Depois entravam as turmas das vigotas, das talas de junção, dos parafusos.  

Enquanto isso a turma das amarras ficava à margem, enrolando e desenrolando amarras e era alvo de gozação pelos demais. Até o sol raiar. 

sábado, 1 de agosto de 2020

NOVENTA ANOS DE IRACEMA SEIGNEUR LEZAN


NOVENTA ANOS DE IRACEMA SEIGNEUR LEZAN
 Alberto Bittencourt - abril de 2002.


IRACEMA, aos 92 anos, em Teresópolis



21 de abril de 2002, sexta-feira da Paixão, Teresópolis. A família reunida para comemorar os noventa anos de minha querida sogrinha, mãe da Helena, IRACEMA SEIGNEUR LEZAN.

Eu e Helena, Bruno e Millena viemos do Recife. Cris e João Victor de Salvador. Amanhã, sábado, haverá uma festa no sítio, hoje, pertencente à Eliane e Anníbal, que adquiririam a parte dos irmãos na herança. Todos os parentes, sobrinhos, primos, estarão presentes. Será um momento de reminiscências, tempo de homenagear, de agradecer à Deus por ter-nos dado a dádiva de usufruir de sua presença, de termos sua energia, de tê-la aqui conosco, alegre e saudável, a transmitir amor e felicidade. Noventa anos, uma longa estrada foi percorrida, uma estrada pavimentada de amor.
           
Tudo começou aqui mesmo em Teresópolis, anos quarenta. A família Seigneur costumava passar temporadas no Hotel Malibu. Num domingo a jovem professorinha passeava de bicicleta pela praça, quando aconteceu uma queda, não estou bem certo. O jovem engenheiro, chegado da França veio em socorro. Foi o destino que se cumpriu. A união das duas almas gêmeas que se encontraram. O futuro de alegrias e felicidades estava traçado. Vieram os filhos. As tarefas da mãe e da professora se conciliaram, se complementaram. Com energia, sem perder a ternura e o carinho, Iracema, como ninguém sabia conduzir a classe e a família. "Basta arregalar bem os olhos que os alunos ficam quietos", dizia às filhas professorandas. E assim foi.                                                             
Nos anos sessenta nós, agregados, chegamos. Eu e o Nilson. Anos Dourados. Os rapazes no Colégio Militar, as moças no Instituto de Educação. Antônio Cláudio no Colégio Militar já dava um bocado de alteração. Antônio, sob o regime militar é o mesmo que querer domesticar um lobo selvagem. Não dá, é simplesmente impossível. Terminou, como não poderia deixar de ser,  expulso a bem da disciplina, depois de mandar o General Comandante. praquele lugar.   Jean e Iracema procuravam levar tudo sempre na base do diálogo, do convencimento, da razão.

No terraço da casa da Marechal nós namoramos. Eu, Helena, Nilson e Denise. Às dez horas começavam a fechar as janelas, a luz piscava. Claro, não podia namorar no escuro, nem depois das dez.

Os almoços dos domingos eram memoráveis. Inesquecíveis os quitutes da Adélia. Discussões acaloradas, temas geralmente políticos. O pivô das polêmicas era sempre a Eliane. Temperamento contestador, já despontava nela o espírito de liderança. Participava ativamente dos movimentos reivindicatórios de sua classe das professoras. "Contra o salário de fome", dizia um de seus manifestos. Sabiamente, o dr. Lezan ponderava que uma classe numerosa como a dos professores jamais teria um bom salário. Eliane incorporou o ensinamento e se tornou universitária.

Naquele tempo a família costumava passar as férias no saco de São Francisco. Lembro-me bem. Uma kombi recém-lançada substituíra o velho Ford dos anos quarenta. A partida para São Francisco era uma verdadeira epopéia. A Kombi entupida até o teto de gêneros, objetos, roupas, utensílios, só sobrava o lugar do motorista. A família ia na barca da Cantareira, enquanto ou Jean ou Iracema conduziam o veículo na barcaça de automóveis. Três horas na fila era o mínimo que esperavam para conseguir atravessar a baía de Guanabara. Bons tempos aqueles dos verões no saco de São Francisco. A bossa-nova despontava. A turma se reunia em torno de um violão, ao luar, a entoar as canções de sucesso internacional: "Desafinado", "A Barca", "Vento"... Em casa, a família se deslumbrava em torno de um Jean Lezan narrador de histórias do Velho Testamento. Incrível como ele conhecia em profundidade os assuntos da Bíblia. Iracema, profundamente religiosa se maravilhava, sentia um amor ainda maior, se é que isso fosse possível. Foi lá no saco que surgiram os grandes romances. Nilson/Denise, Paulinho/Maira. Ali consolidou-se o meu amor por Helena. Antonio Cláudio saiu incólume para sorte de Cristina, apesar do assédio constante, explícito, das menininhas da região. Todas queriam namora-lo, com incentivo das respectivas mães. Acho que Antonio Cláudio soube tirar bom proveito.
Vieram os casamentos, os netos. São Francisco ficou para trás. Foi substituído pelo sítio de Teresópolis.

Nesses tempos do Movimento Estudantil, do AI-5, a Universitária Eliane tornou-se a representante na família da esquerda revolucionária armada, cujo mentor era um certo frei, colega de classe, irmão jesuíta, chamado Tony. Uma vez, eu, tenente do Exército Brasileiro, fui trancado pela Eliane no banheiro da Marechal, e ela só abriu depois que eu gritei três vezes: "ABAIXO A DITADURA!"  E vizinho morava um capitão da linha dura, que ela queria que me ouvisse gritar.

Eliane carregava no fusquinha da família, panfletos subversivos correndo um sério risco. O dr. Lezan chamou para uma conversa:
 "Minha filha, eu sou estrangeiro, o carro está em meu nome, se a pegam com esses panfletos, além de você ser presa, eu posso ser deportado do Brasil".
Parece que prevaleceu a razão.

Eu fui morar em Resende e Nilson em Petrópolis. Depois fomos para o Recife, em janeiro de 1972. Orgulho-me de dizer, que, graças a Deus, nesses 31 anos de Nordeste nunca deixamos de vir ao Rio, pelo menos duas vezes por ano. Vieram os netos, os bisnetos. Todos impregnados desse amor transbordante, irradiante que emana do coração de Iracema. Todos levamos a sua marca, a marca da solidariedade, do amor ao próximo, da profunda devoção e amor a Deus, do trabalho na igreja, em prol dos menos favorecidos. Todos recebemos a força da sua fé, da sua religiosidade. Creio que aí está o segredo da sua juventude. É o trabalho voluntário, a prestação de serviço, a mão estendida, sempre disposta a ajudar, a amparar, não importa a quem. É a solidariedade, a compaixão, a amizade, a devoção à Deus, à igreja, a família. Está provado cientificamente, isso rejuvenesce. Aí está o segredo de sua juventude aos 90 anos, com a energia e o vigor de uma fortaleza, a lucidez de um sábio conselheiro, o raciocínio claro, límpido, a memória intacta.

Descobri o segredo da felicidade olhando para Iracema, observando suas atitudes, seu estado perene de alegria. Lembro-me da história, que li num livro sobre a felicidade, intitulado: "Le Bonheur, Désespérément" de André Conte Sponville.
Dizia ele que um discípulo perguntou a Buda:
"Mestre, como é possível que esses milhares de fiéis, que nada possuem a não ser a roupa do corpo que mais parecem trapos, que mendigam o dia inteiro por um grão de arroz, como é possível que essas pessoas sejam felizes?
E Buda respondeu:
"Essas pessoas, que nada possuem a não ser restos de roupas, que mendigam o dia todo por um grão de arroz, essas pessoas não têm nenhuma esperança quanto ao futuro, tampouco vivem das reminiscências do passado, e por isso elas são felizes".
É o exemplo de vida, a lição que recebemos de você, Iracema. Você não se atém às lembranças idas e vividas, não vive presa às recordações felizes, não tem erros do passado para ficar se lamentando. Para você os erros do passado, se é que os houve, são oportunidades de aprendizado. Tampouco você vive de expectativas do futuro. Você vive para o momento presente, para o aqui e agora. Você desfruta de cada segundo da vida, com plenitude, com intensidade. Esse é o segredo da sua felicidade, é a lição de vida que você nos dá.

Reverenciamos neste momento a memória de todos os entes queridos que passaram por nossas vidas, deixaram tantas saudades e que certamente, também estarão aqui, unidos num só pensamento de saudação e agradecimento.