COLO PATERNO
Alberto Bittencourt
(baseado em fato real)
(baseado em fato real)
Todos os dias Patrícia chega em casa ao cair da noite. Larga a bolsa num canto, chuta os sapatos, deixa o casaco de lado e, apressada, vai direto para o quarto da filha. Evita fazer ruído para não acordá-la.
Na casinha do Ibura, bairro popular do Recife, moram avó, filha e neta. O espaço, embora pequeno, é limpo e higiênico. Tem dois quartos, banheiro sem porta, isolado por cortina. A sala serve também de cozinha. O piso é de cimento desgastado, no teto se vê a telha vã e nas paredes o tijolo nu.
Patrícia trabalha o dia inteiro como guardete numa estação do metrô. Consciente de suas responsabilidades, nunca afrouxa a vigilância. Ajuda, orienta, intervém quando há conflito, procura manter a ordem, com energia se faz respeitar. Depois, pena duas horas de ônibus até chegar em casa.
Nesta semana de agosto, a proximidade do dia dos pais lhe traz certa amargura, como um aperto no peito. A menina Sarinha, de sete anos, não sabe o que é ter pai. Nunca teve, nem mesmo chegou a conhecer o que lhe deu a vida.
Patrícia não consegue controlar as lágrimas, chora sempre ao se lembrar daquele domingo, quando Sarinha, então com apenas dois anos, veio correndo em sua direção, a chamá-la ansiosa:
Mamãe! Mamãe!
O bracinho estendido trazia na mão uma nota amarfanhada de dois reais.
O bracinho estendido trazia na mão uma nota amarfanhada de dois reais.
Toma, mamãe. Compra um pai pra mim.
O olhar suplicante refletia aflição de algo muito desejado. A princípio, Patrícia, cansada do dia estafante, não percebeu.
O que é isso minha filha, já devia estar dormindo.
Em seguida, ao se dar conta, abraçou a filha aos prantos. Pensou:
Em seguida, ao se dar conta, abraçou a filha aos prantos. Pensou:
Como pode ter tanta sensibilidade?
Aquele pingo de gente, os cabelos pretos e lisos, a tez de uma alvura imaculada, as feições delicadas e meigas, resistia ao sono, à espera da mãe.
Não queria roupas, nem bonecas, nem brinquedos de qualquer espécie. Queria o bem mais precioso, de que, na tenra idade, já sentia imensa falta. Alguém que ela pudesse tocar, beijar, entregar-se, ser levantada e aparada. Queria sentir-se segura no aconchego do colo paterno. O dinheiro, encontrado num canto qualquer, era uma esperança.
Toma, mamãe. Compra um pai pra mim!
Na inocência de seus dois aninhos, Sarinha talvez não compreendesse o real significado de ter pai. Muito mais do que a simples presença física masculina, o que ela queria era um colo para deitar a cabeça e dormir, uma mão para segurar e passear, um porto seguro para recolher seu pranto, um Céu verdadeiro onde pudesse receber carinho, afago.
Hoje, Sarinha, aos sete anos pergunta pelo pai que nunca teve.
Ele foi embora, filhinha.
Ele não gosta da gente?
Gosta sim, mas ele mora muito longe. Não dá para nos visitar.
Escreve pra ele, mamãe. Telefona.
Sarinha é fruto do primeiro relacionamento de Patrícia, ainda adolescente. Muito jovem, imatura, a gravidez chegou precoce, inesperada. Caiu como uma bomba. Foi criada pela avó.
Desde então, Patrícia só teve relacionamentos fugazes, amores fugidios. No momento, está namorando o supervisor da empresa em que trabalha. Ele é jovem, educado, solteiro. Parece sincero ao declarar seu amor pelas duas, mãe e filha.
Patrícia ora a Deus:
Perdão, Senhor! Que posso eu pedir?
Lança suas bênçãos misericordiosas sobre nós.
Que minha filha não seja órfã de pai vivo,
Dai-lhe o verdadeiro Céu do Teu carinho
Que fulge entre os lábios de quem canta:
Filhinha dorme, dorme filhinha!