ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

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quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

A PRIMEIRA CHAMA


A PRIMEIRA CHAMA
Alberto  Bittencourt - 26 dez 2012



Nos anos do regime militar em Duque de Caxias

Área da Fábrica Nacional de Motores – Xerém




Foto enviada pelo comp Antônio J. C. da Cunha, do RC Duque de Caxias

   Recém formado pela Academia Militar das Agulhas Negras, ainda no posto de aspirante a oficial da Arma de Engenharia, já no comando de um pelotão, fui designado em abril de 1964, para manter a ordem e dar segurança à Fábrica Nacional de Motores. Situada no distrito de Xerém, município de Duque de Caxias, Estado do Rio de Janeiro, no sopé da serra de Petrópolis, limite da baixada fluminense, a fábrica vivia momentos de grande tensão e agitação que chegavam a afetar a produção industrial.

   Ali se fabricava o famoso caminhão FNM, mais conhecido como Fenemê. Naquele tempo, a quase totalidade do transporte rodoviário de carga no Brasil era feito pelos caminhões Fenemês. Valentes, robustos, possantes, esses veículos varavam o país de ponta a ponta, dominavam absolutos as estradas de terra e lama, levavam o progresso aos quatro cantos do país. Ainda não haviam chegado os Mercedes, Volvos, Scânias, Fords, Chevrolets, Volks, tudo era feito pelos Fenemês, produzidos, para orgulho nosso , por uma fábrica genuinamente brasileira, do governo, a Fábrica Nacional de Motores.

   Originariamente, muito antes da EMBRAER existir, a Fábrica Nacional de Motores fora construída para fabricar motores de avião, com o fim de garantir mercado de trabalho para os engenheiros aeronáuticos formados pelo ITA. Em seguida, foi transformada em fábrica de caminhões. Anos mais tarde foi vendida para a Alfa Romeu que, por sua vez, a vendeu para a Fiat que, posteriormente, a fechou. Ali se fabricou o famoso carro, top de linha, marca Alfa Romeu, modêlo JK.

   Numa noite escura e fria, às duas da madrugada, eu rondava de jipe pelos postos de sentinelas, acompanhado apenas do motorista. Ao contornar a fábrica pelo lado de fora, notei uma sombra fugidia a se esgueirar no escuro, junto aos muros. A chuva fina e cortante dificultava a visão. A figura de pronto despertou-me suspeita. Com cautela, fui me aproximando. Aos poucos, foi se delineando um vulto enrolado em panos dos pés à cabeça. A cada passo trôpego, seu corpo estremecia. Encandeada pela luz dos faróis, divisei um rosto de mulher. Transportava nos braços um volume amorfo, indefinível e chorava.

   Para onde vai?, perguntei.
   Estou indo para casa, respondeu entre soluços.
   O que aconteceu?
   O hospital não quis receber o meu bebê.
   Por quê?
   Meu bebê morreu.
    
  Fixei o olhar com atenção. Envolto nos trapos, havia um bebê de no máximo dois meses. A chuva fria apertava. Ofereci-lhe carona.

  Só então verifiquei que o corpo franzino, pequenino, jazia inerte nos braços da mãe. Certamente essa fora a razão pela qual o hospital não quis recebê-lo. A criança já estava sem vida quando lá chegou.

   Meu bebê morreu dormindo, sufocado, disse a mulher.

   No pequeno barraco em que viviam pude constatar a dimensão da tragédia humana.  Espremidos em apenas um vão insalubre e mal ventilado, moravam a mulher e quatro filhos, idades entre 2 meses e 4 ou 5 anos. O chão de terra batida, as paredes e o teto de restos de tábuas, pedaços de zinco, misturados com plástico e papelão. Para chegar ao pequeno fogão no fundo do quarto, tinha que levantar um estrado. O bebê morrera asfixiado, porque todos dormiam embolados naquele arremedo de cama.

 Tal aconteceu em 1964. O Brasil tinha uma população de apenas 80 milhões de habitantes. Os jornais da época já noticiavam constantemente que: crianças eram vítimas de deslizamentos de barreiras, pois moravam em lugares perigosos; bebês eram roídos por ratos, porque viviam em lugares infectos; crianças morriam de disenteria por falta de água potável; esgotos serpenteavam a céu aberto, nas chamadas valas negras; padrastos estupravam enteadas, habitantes de um só vão; adolescentes eram abusadas por irmãos mais velhos, porque dormiam todos na mesma cama. Nas guerras, nas calamidades, nos cataclismos, as primeiras vítimas são sempre as crianças.

   Hoje, quase cinquenta anos depois, nossa população pulou de 80 para 200 milhões, e o que mais aumentou foi justamente essa camada mais pobre, excluída, despojada e desprovida de tudo.

   O que fazer?

  O fato, ocorrido na minha juventude, acendeu em meu coração a primeira chama, despertou a vontade de servir, de fazer algo que pudesse mudar esse estado de coisas.  Anos depois eu encontrei no Rotary o caminho que buscava.




   

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

ONDE NÃO EXISTE AMANHÃ

ONDE NÃO EXISTE AMANHÃ
Alberto Bittencourt


Favela no Rio de Janeiro




1. No Recife - palafitas
Não conheço nada comparável à algumas favelas do Recife. As casas, de vão único, feitas de restos de madeira e plástico, infectas, promíscuas, se equilibram sobre palafitas fincadas no lodaçal. Não têm água encanada, nem banheiros, nem geladeiras, mas, paradoxalmente, não falta televisão, DVD, ou mesmo vídeo game. O lixo se espalha, vindo da maré ou do rio, a prefeitura nunca recolhe. O esgoto está nas portas, no chão, por onde se anda.

A favela dos Coelhos é apenas uma, entre tantas do Grande Recife. Situa-se no centro, em área nobre, ao lado de edifícios empresariais modernos, perto de hospitais que, como se diz, fazem do Recife o terceiro maior pólo médico do país.

Aí habita uma população marginalizada, abandonada, refém da droga, do crack, onde adolescentes dos 13 aos 18 anos trabalham como avião. Ninguém se lembra de construir moradias dignas e humanas para essa gente esquecida. 

Só na catástrofe a solidariedade se manifesta. Quando as enchentes, os deslizamentos ceifam vidas, destroem moradias, todos se mobilizam. A sociedade recolhe doações, o governo começa a construir novas casas, em locais mais seguros, em ritmo eleitoreiro.

2. No Rio de Janeiro - UPPs
Nem no Rio de Janeiro, onde estão as maiores favelas da América do Sul, subjugadas por traficantes e milícias, a degradação é tamanha. Lá, a maior parte dos barracos é de alvenaria, de tijolo nu, sem revestimento, dizem, para não pagar imposto à prefeitura. Nessas comunidades o comércio da droga floresce, se desenvolve abertamente, à luz do dia. Quando a polícia aparece, com seu aparato de uniformes, viaturas, sirenes, os traficantes se enfiam nas tocas como um bando de ratos. Terminada a incursão, tudo continua como dantes.

O Rio de Janeiro mostrou que poderia ser diferente. Lá, um dia, as favelas sonharam com amanhãs radiantes de paz. O Estado decidiu reconquistar comunidades há muito dominadas por traficantes e milícias. 

A ação se dava em três etapas. Primeiro avisavam que tropas de choque da Polícia Militar invadiriam o morro, de forma a garantir a segurança local. Os traficantes se evadiam, sob os olhos complacentes da mesma Polícia. Três meses depois, as UPPs, Unidades de Polícia Pacificadora, se instalavam de modo permanente e preparavam a terceira fase, o restabelecimento do poder público com seus serviços econômicos e sociais.

Até 2008, oito UPPs foram instaladas e quarenta outras estavam programadas para os quatro anos seguintes. Em 2011 seria a vez da favela da Rocinha, anunciou o governo do Rio de Janeiro.

A presença contínua da Polícia mudava significativamente a vida dos habitantes das favelas. Os traficantes desapareciam, a violência diminuía.

Provou-se que só a ocupação permanente nos morros cariocas, foi capaz de livrar em definitivo os habitantes das mãos dos traficantes e das milícias.

Incursões esporádicas, não levam a nada. A Polícia chega, eles se entocam e, quando ela sai, eles retornam. Com a ocupação permanente realizada pelas UPPs, da Polícia Militar, as coisas mudaram.

3. Traficantes e milicianos.
Há uma grande diferença no Rio, entre os traficantes e as milícias. Os traficantes não são guerrilheiros, são vendedores de drogas, capazes de agir com violência para preservar seu negócio. As milícias são grupos de bandidos, interessados em extorquir a população, agindo com extrema violência. Os dois são perigosos, os dois fazem parte do crime organizado. Somente a expulsão desses indivíduos é capaz de trazer e implantar a paz.


4. Para um amanhã de paz.
O que é preciso para que a paz reine em definitivo nas comunidades?
  1. Em primeiro lugar, uma política permanente de construção de moradias dignas, decentes, de erradicação de palafitas, de favelas insanas. Estes novos bairros devem ser aquinhoados com redes de água e esgoto, com projeto urbanístico funcional, providos de áreas de lazer e equipamentos comerciais e comunitários essenciais, servidos por linhas de transportes coletivas acessíveis e integrados à malha viária urbana.
  2. Em seguida, uma política educacional séria, em que os alunos, crianças e adolescentes, fiquem em regime de tempo integral nas escolas, que aí recebam refeições, com atividades escolares, culturais e esportivas e, inclusive, formação profissional, tudo isto a partir de professores capacitados e avaliados sistematicamente, com proventos condizentes com seus esforços e resultados.
  3. Em terceiro lugar, com a ocupação permanente das comunidades pela polícia, como no Rio, com as UPPs.
  4. E, finalmente, com uma política de planejamento familiar que incentive o controle efetivo da natalidade, com orientação permanente, educação para a conscientização dos riscos e responsabilidades pela vida sexual promíscua, com ênfase nos deveres e na responsabilidade de gerar, prover e educar um novo ser.
Somente assim, garantindo o amanhã dessas comunidades, poderemos ter a certeza de que estaremos garantindo o amanhã de nossos filhos e netos e do nosso Brasil.

5. Corrupção.
Lamentavelmente a corrupção pôs tudo a perder. Destruiu a política das UPPs que parecia dar certo. A ganância imperou entre ministros do Tribunal de Contas do RJ, políticos, governadores que hoje respondem processos e parte está na cadeia. As favelas voltaram a ser dominadas por gangues de traficantes e milicianos. O crime organizado voltou a imperar.

6. Um novo amanhã.
Somente em 2019 uma nova política de repressão ao crime mostrou eficácia. Com tolerância zero, em seis meses os assassinatos foram reduzidos em 22% no Brasil.
A violência, o crime organizado, voltou a ser combatido, por ação da Policia Militar, através de snipers, heróis bem treinados, que destroem o mal, onde quer que se instale.
Os traficantes, milicianos, bandidos e exterminadores que se cuidem.

Alberto Bittencourt. 
Oficial do Exército, 
Engenheiro civil, professor, palestrante, escritor, biógrafo pessoal. 
Governador 2004/05 D-4500

Rotary Club do Recife-Boa Viagem
E-mail: abitt9@gmail.com
Blog:
http://albertobittencourt.blogspot.com
Tel cel:
+55 (81) 98844-8129
Tel res:
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quarta-feira, 22 de maio de 2019

HABITAÇÃO


Michel Quoist - escritor francês, 1921-1997


Transcrevo abaixo, o poema Moradia, de Michel Quoist, extraído do livro Poemas para Rezar, escrito em 1954, com textos dos jornais da época:

Moradia
                                                                                                                 Michel Quoist - 1954

Sei que naquele único quarto, mistura-se hálito emprestado de  treze pessoas amontoadas.
Sei que u’a mãe pendura ao teto a mesa e as cadeiras para estender as enxergas no chão.
Sei que os ratos acorrem para roer as cascas de pão velho e morder os bebês.
Sei que o homem se levanta para abrir o encerado por cima da cama encharcada de seus quatro filhos.
Sei que a mãe fica em pé a noite inteira porque só há lugar para uma cama e as duas crianças estão doentes.
Sei que um bêbado vomita sobre a criança que dorme ao seu lado.
Sei que o rapaz foge sozinho dentro da noite porque não agüenta mais.
Sei que os homens brigam por causa das mulheres, pois são três casais no mesmo sótão.
Sei que o irmão gera um filho com a irmã, ele tem vinte anos, ela dezesseis e dormem os dois, corpo a corpo no mesmo colchão.
Sei que a esposa rejeita o esposo pois não há mais lugar para outro filho.
Sei que um menino agoniza, mansamente, preparando-se para se reunir lá no céu a seus quatro irmãozinhos.
Sei,
Sei mais ainda,
Sei centenas de outros fatos, enquanto em paz eu ia dormir entre meus lençóis branquinhos.   




HABITAÇÃO
Um dos grandes problemas brasileiros

Alberto Bittencourt - outubro de  2005

O problema da habitação é trágico em todas as cidades do mundo. O Brasil nos últimos quarenta anos aumentou sua população em mais de 100 milhões de habitantes. Em 1964 éramos 80 milhões, hoje, 2005, somos mais de 185 milhões. 
Em 1964, antes da revolução, havia um movimento pela reforma agrária, era o SUPRA do governo Jango – Superintendência da Reforma Agrária. Por ser considerado um valhacouto de políticos corruptos e subversivos, o movimento foi abortado pelos governos militares. 
Criaram o INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, apenas uma autarquia, empregando muitos coronéis da reserva. Perguntei a um deles o que ele fazia ali e ele me respondeu: Estamos cadastrando as terras
E ficaram anos e anos apenas cadastrando as terras, até que surgiu, com a redemocratização, o MST, com as invasões de terras produtivas e improdutivas. O movimento pegou todo mundo de surpresa, ninguém imaginava que houvesse tantos sem-terras no interior, sim, porque nesses quarenta ou cinqüenta anos, a urbanização do país foi de tal ordem, de tal intensidade, que mais de 80% da população rural migrou para as cidades, tornou-se urbana.
Com o apoio da turma de direitos humanos, de políticos, de ONGs, de sindicatos, o MST se organizou. Constituiu-se num poder paralelo, à margem da Lei e da Ordem, não respeita a constituição e sequer considera o mais sagrado de todos os direitos do regime capitalista: o da propriedade privada. O MST age ao arrepio da Lei. Arregimenta para suas fileiras bandos de desempregados e marginais na periferia das cidades. Ao invadirem uma propriedade, nada respeitam. Destroem, botam fogo, quebram o que vêem pela frente, não sobram nem as máquinas e equipamentos agrícolas. Matam animais da fazenda para se banquetearem. De tempos em tempos, vemos nos jornais barbaridades praticadas por estes vândalos. Será o império da desordem, da anarquia, ou será a tão necessária e decantada distribuição de renda?  Ou talvez os dois.

As megalópoles brasileiras incharam, se multiplicaram. A palavra favela, um termo genuinamente brasileiro, foi exportado para o mundo inteiro, Paris, New York, Moscou. Consta nos dicionários franceses. Virou um termo de conotação pejorativa no Brasil, denigre as pessoas que nela habitam. É politicamente mais correto chamá-las de "Comunidades". É o que dizem os assistentes sociais, antropólogos e sociólogos.
A Comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, tem mais de 150 mil habitantes. Quem vai de São Conrado para o Leblon, antes de entrar no túnel Dois Irmãos, ao olhar para cima, vê a encosta do morro totalmente encoberta por milhares de moradias. Empilhadas na encosta, separadas por vielas estreitas e escadas, são, em sua em sua totalidade, erguidas em alvenaria, algumas até com reboco. Muitas têm mais de um pavimento, vemos até prédios de cinco andares por lá. Será que tudo isto pode ser chamado de favela? Não mais. É uma comunidade onde se amontoam 150 mil pessoas, provida de luz elétrica, mas sem coleta de lixo e nem recolhimento de esgoto. No carnaval, esse povo se organiza e consegue fazer um dos mais belos e ricos desfiles de escolas de samba. Não fosse a chuva que desabou em cima, bem na hora em que a escola passou e alguns problemas com carros alegóricos, extremamente complexos, que emperraram, certamente teria obtido uma das primeiras colocações. 
Esse mesmo povo convive, quase que diariamente, com o crime organizado, as guerras entre quadrilhas, as disputas por território, que deixam vítimas inocentes, sem escolher idade e uma população assustada que se submete ao poder paralelo do traficante. Terra de ninguém, onde a polícia não entra, a lei é do mais forte. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Não pensem que este caos começou há pouco. Com a sucessão de políticos demagogos, que visam unicamente à eleição, a partir dos anos cinqüenta, iniciando com a era Getúlio Vargas e chegando até nossos dias, instala-se uma situação de desmando e pouco caso para com a lei, a ordem e, principalmente com o cidadão e eleitor. Cria-se um vazio de liderança nessas comunidades adensadas que propiciou a ocupação deste espaço pela força do tráfico que encontrou um ótimo abrigo, longe das autoridades e perto dos usuários.

Essas comunidades como a Rocinha, há muito já deixaram de ser favelas. Ali circula dinheiro, elevando a renda de parte dessa população, que passa, então, de pobres, a gente abastada ou remediada. Favelas são como algumas que conheço aqui no Recife: a do Bode, no bairro do Pina; Entra a Pulso, em Boa Viagem; a do Coque e a da Maré e tantas outras. As casas sobre palafitas, barracos de madeira, papelão, plástico, chão de terra, em meio ao esgoto a céu aberto e as pessoas se apertando dentro de um vão infecto e insalubre.
Só para sentirmos no peito que o tempo passa e nada muda, demonstrando assim que não há o menor interesse, por parte de nossos políticos ou governantes, pois esses eleitores que não vivem, apenas existem, como animais, são manobrados por eles que se aproveitam de suas ignorâncias. 

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