ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

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ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, conferencista, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

sábado, 28 de julho de 2018

SOCIEDADE SITIADA






SOCIEDADE SITIADA
Alberto Bittencourt – fev 2007


"A segregação não resolve coisa alguma. Se houver em qualquer comunidade uma discórdia, seja ela racial ou religiosa, o modo mais radical de fomentá-la está na fórmula:
_Conservem-se vocês do seu lado e nós nos conservaremos do nosso. Nossa comunidade é anglo-saxônica e nos pertence. Queremos conservá-la assim. Viveremos ao leste, vivam vocês ao oeste. Construam igrejas, façam tudo, contanto que nos deixem em paz."
Oitenta anos depois de haver escrito estas palavras em ESTA ERA ROTÁRIA, (1935), constatamos que Paul Harris tinha razão.
O que encontramos nas grandes cidades de hoje? Uma sociedade dividida, excludente, segregadora, mergulhada em conflitos. De um lado, nos bairros nobres, a classe média, rica e remediada. Do outro lado, na periferia, habita a miséria, o tráfico, o crime, a lei do cão.
"Conservem-se vocês do seu lado e nós nos conservaremos do nosso", parece ser o lema vigente.
Entre condomínios blindados, paredões de 3 a 6 metros de altura, seteiras, guaritas, cercas eletrificadas, cães, circuitos fechados de televisão, seguranças eletrônicas, se esgueiram em passeios estreitos sujos, esburacados, as ameaças potenciais: esses pedestres da periferia, uma multidão de carentes de tudo, até mesmo do essencial.
Uns se defendem como podem: procuram se fechar em si mesmos, em shopping centers, ou até nos cordões de isolamento dos trios elétricos, nesses ambientes em que só se encontram os iguais. Não há interação, nem trocas de experiências, o que existe é a negação do outro que não tem a mesma renda, a mesma instrução. Qual o produto? Violência.
A violência no desfile do bloco Balança Rolha, ocorrida em Boa Viagem, Recife, domingo, dia 04-02-2007, estampada nos jornais do Brasil e do mundo, é apenas um reflexo dessa sociedade excludente em que vivemos.
De um lado, cinco mil foliões tiveram condições de comprar um abadá, pensando: "fiquemos nós protegidos pelos seguranças, dentro dos cordões de isolamento e fiquem os quinhentos mil da periferia do lado de fora. Vivam vocês do seu lado e nós viveremos do nosso. Vocês podem fazer tudo, contanto que nos deixem em paz".
O que se viu na avenida Boa Viagem foi a invasão do bloco. Garrafas de cerveja, muitas com água, voando pelo espaço. Policiais despreparados, em número insuficiente, gente armada, socos, pontapés, gente enfurecida a se agredir mutuamente, a agredir os seguranças, arrastões, cabeças quebradas, tiros, morte.
A periferia mostrou que queria e podia ocupar o lugar dos ricos. Como não tinha dinheiro, o fez através da violência.
O Balança Rolha trouxe o jovem da periferia feito bicho, em fúria, desfigurado pelo recalque, a extravasar revolta. Mostrou uma sociedade sitiada, alienada, aflita, incapaz de se mobilizar.
A segregação não é uma marca das cidades, mas uma marca brasileira. Como disse Paul Harris, não resolve coisa alguma.




sexta-feira, 6 de julho de 2018

EU NAO SEI





EU NÃO SEI...
Alberto Bittencourt - mar2013






Eu não sei de onde venho, nem para onde vou. Eu não sei se nasci ou se cheguei. Eu não sei se estou aqui, ou se vou por aí. Eu não sei se sou um corpo que carrega um espírito ou um espírito que habita num corpo. Eu não sei se carrego um nome, ou se é o nome que me carrega. Eu não sei se sou importante, ou apenas mais um.

Eu não sei se o barulho nos meus pés vem dos sapatos, ou das correntes. Eu não sei se a brisa no meu rosto vem do mar ou de meus tormentos. Eu não sei se devo correr ou quedar imóvel. Eu não sei se devo me expor ou me esconder. Eu não sei se devo me manifestar ou me calar. Eu não sei se devo confrontar ou acatar. Eu não sei se devo lutar ou deixar ficar. Eu não sei se meu riso é um grito, nem se minha prece é um choro.

Eu não sei se a luz que me alumbra é a mesma que me incandesce. Eu não sei se o ar que me protege é o mesmo que me consome. Eu não sei se me alimento, ou me devoro. Eu não sei se os muros que me cercam são refúgios ou prisões. 

Eu não sei cadê as árvores da minha infância, se vejo apenas florestas de espigões. Eu não sei como os campos em que eu corria se transformaram em asfalto para corpos metalizados.

Eu não sei se meus atos são expressão de vida, nem se meus gestos são expressão de amor. Eu não sei se sou querido ou apenas tolerado. Eu não sei se me amam ou se me enganam. Eu não sei se os que me observam e me escutam estão cegos ou estão surdos. Eu não sei se estou enfermo de verdade, ou apenas fatigado. Eu não sei se preciso de gente à minha volta para poder ficar só. Eu não sei como transformar o tempo que me dissolve em sentimento de eternidade.




O que eu sei é que eu quero apenas uma coisa. O que eu sei, e disso tenho a mais plena convicção, é que eu quero apenas escrever. 

Quero escrever sobre as traquinagens da minha infância, escrever sobre encontros e desencontros, sobre os descaminhos de meu mundo.

Quero escrever sobre os que comigo dividiram sendas e territórios. Quero encher páginas e mais páginas de lembranças vivas, escrever ao sabor das emoções, sem gramática nem sintaxe, sem regras, nem concordâncias. 

Quero escrever de uma só penada sobre os momentos mais delicados, sem pudor e sem rancor. Quero escrever para não ser um homem perdido na multidão, devorado pela angústia de ter que sobreviver. Quero escrever sobre as relações perdidas, sobre as memórias esquecidas, sobre as sociedades desfeitas, sobre os pactos quebrados. Quero escrever sobre os amores vividos, as paixões fugazes, os sentimentos eternos. Quero escrever sobre o ambiente, o universo, o dom da criação. Quero escrever sobre ciência e tecnologia, artes e manufaturas. 

Quero escrever além de mim, para depois, 
me fundir na maçaranduba do tempo. 
Quero escrever para me libertar de mim. 




segunda-feira, 2 de julho de 2018

O OUTRO






                                                         Alberto Bittencourt                                                                     Recife, julho de 2013


Frequentemente nos deparamos com expressões do tipo:

Coloque-se no lugar do Outro.
Não faça ao Outro o que não gostaria o Outro lhe fizesse.
Ame o Outro como a si mesmo.

Afinal, quem é o Outro?

Poderíamos responder de forma indefinida:

É todo aquele que não sou eu.
Uma afirmativa assim tão vaga abre um leque de imensas possibilidades - positivas e negativas.

Como somos seres essencialmente sociais, o outro, mesmo que não o saiba, é indispensável à nossa sobrevivência, ao nosso equilíbrio, ao nosso crescimento, à nossa criatividade e, sobretudo, ao nosso futuro. 

Em todos os encontros, em todas as trocas, em todas as parcerias, chegam-nos do outro, ou dos outros, diferentes tipos de mensagens, verbais e corporais, visíveis e ocultas, premeditadas e improvisadas, racionais e intuitivas, que sempre podemos receber, acolher, amplificar, ou mesmo recusar, conforme nos pareçam boas ou más.

Nós sempre temos uma reação positiva ou negativa à qualquer mensagem, seja ela proposta ou imposta, consoante nosso estado de espírito no momento em que a recebemos, em função de nossas expectativas ou de nossas necessidades.

Quando escuto a voz da minha consciência, percebo o quanto fui cego e surdo a tantas mensagens. Muitas vezes fui desinteressado, ou mesmo indiferente com o outro. Posso ter sido, no mínimo, pouco atencioso, quer fosse o outro mais próximo ou mais afastado. 

É importante manter a consciência de que as relações com o outro se constroem em torno de quatro âncoras essenciais:

1. Saber pedir, sem impor nem exigir.
2. Saber doar, sem sufocar nem provocar dependência.
3. Saber receber, acolhendo e amplificando o que vem do outro.
4. Saber recusar, sem rejeitar quem lançou a proposta.

Ao longo da minha existência, encontrei com muitos outros.

Com a maioria vivi momentos mágicos, carregados das melhores intenções. Foram momentos de alegria, de prazer, de trocas plenas, completas. Com eles eu cresci, ampliei os meus limites, tanto interiores, quanto exteriores. 

Com outros, realizei os meus sonhos e guardo de cada um, um reconhecimento profundo, durável.

Com alguns outros, entretanto, eu me deparei com a ansiedade e o estresse. Esses deixaram marcas indeléveis, em várias etapas de minha vida. Com eles aprendi muito. 

Aprendi que os momentos que tanto nos afetam, são mais sentidos quanto mais atingem nossas inseguranças. E, na medida em que estas vão sendo resolvidas, o sofrimento vai sendo minimizado, até ser finalmente esquecido. Surge então um sentimento superior, uma plenitude, uma consciência de crescimento como pessoa. 

Eu não me arrependo de nenhum desses encontros. Eles me construíram, permitiram-me acessar o meu melhor, ensinaram-me a desenvolver maravilhosas potencialidades. 

Hoje eu percebo que não seria o homem que sou, sem esses momentos, sem essas trocas e compartilhamentos com o outro. 

A todos, agradeço com amor. 





     
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