A CASA DE MEUS AVÓS
Alberto Bittencourt - Junho 2012
21 de janeiro de
1942. O jornal "Diário da Tarde", de Curitiba, PR, estampou na primeira página
entrevista com meu avô, general Amaro Soares Bittencourt, recém chegado dos
Estados Unidos, onde exercera as missões de chefe da Comissão de Compras, Adido
Militar da Embaixada do Brasil, chefe da Comissão Militar Brasileira e de
representante na Junta Interamericana de Defesa. Assim começa a entrevista, cujo teor
abordarei em outra oportunidade:
Reside o general
Amaro Bittencourt numa das ruas mais tranquilas do bairro da Tijuca, onde não
chegam os ruídos dos bondes. Lá, onde os ventos descem por todos os lados, a mata
próxima e o sossego guardam, na rua serena e deserta, um delicioso ar campestre.
A casa da rua
Raiz da Serra, 17, na Usina da Tijuca, mandada construir quando de seu retorno, reflete o temperamento reservado
de meu avô. Após sua passagem para a reserva do Exército, retirou-se em
definitivo da vida pública, tendo recusado inúmeros convites para se candidatar ou
mesmo assumir cargos executivos. A tranquilidade da nova casa deu-lhe a chance de se dedicar ao que mais gostava: o radioamadorismo.
Ainda hoje
existente, situa-se a casa no sopé da serra da Tijuca, onde o bonde
66 – Tijuca – fazia a volta, para iniciar a descida pela rua Conde de Bonfim.
No local existira outrora uma usina termoelétrica, origem do nome do bairro. Lá
começa a avenida Edison Passos, galgando a encosta, quase por dentro da
Floresta da Tijuca, até o Alto da Boa Vista. Nesse ponto onde termina a
avenida, começa a estrada das Furnas, em declive pelo outro lado do morro, até
desembocar nos areais de uma Barra da Tijuca ainda inexplorada. A casa de meus
avós é o retrato de uma época que não volta mais.
Construída em
terreno não muito grande, com dois pavimentos, tinha na frente jardins
gramados, onde pontificava um jasmineiro, sempre ornado de flores brancas de
aroma forte e adocicado, do qual minha mãe Elyette não podia se aproximar,
pois, alérgica, ficava com o corpo todo empolado. Minha avó Olga cultivava esses
jardins com o maior esmero. Quando algum neto arrancava uma folha, ela dizia
que as plantinhas eram como as pessoas, sofriam, sentiam dores. Com cuidado fazia mudas, plantava e
replantava, para exibir com orgulho às amigas. Samambaias choronas, pendentes
do teto ao chão, causavam a maior admiração. Dentes de leão, rainhas da noite (desabrochavam
esplendorosas no crepúsculo, para morrerem ao amanhecer), copos de leite, antúrios,
orquídeas, hortênsias, espadas de são Jorge, margaridas, violetas eram sua
paixão. Junto aos muros, emoldurando o quintal, a bela emília desprendia
pequeninas flores azuis que grudavam nas roupas. Havia ainda as coroas de
Cristo, espinhosas, de flores vermelhas, a delimitar os jardins.
No terraço dos fundos, à sombra da bela mangueira espada, pequeninas garrafas com água açucarada e bico em forma de flor serviam de bebedouros para beija-flores de variados matizes. Meu primo Amaro Hertz certa vez teve a ideia de misturar cachaça nessa água, para ver se os colibris ficavam doidões. Mas a experiência foi frustrada, pois as avezinhas, sabidas, sequer se aproximaram. Ficaram gravados em nossas mentes pueris a beleza das borboletas e, vez por outra, o voo atemorizante de abelhas e marimbondos.
No terraço dos fundos, à sombra da bela mangueira espada, pequeninas garrafas com água açucarada e bico em forma de flor serviam de bebedouros para beija-flores de variados matizes. Meu primo Amaro Hertz certa vez teve a ideia de misturar cachaça nessa água, para ver se os colibris ficavam doidões. Mas a experiência foi frustrada, pois as avezinhas, sabidas, sequer se aproximaram. Ficaram gravados em nossas mentes pueris a beleza das borboletas e, vez por outra, o voo atemorizante de abelhas e marimbondos.
Na varanda da
casa, chamavam a atenção dos visitantes duas portas em folhas duplas, com
postigos de cristal bisotê, um requinte para a época. Meu avô trouxera dos
Estados Unidos o que havia de mais moderno em maquinário doméstico, com
destaque para a calandra, máquina de passar roupas de rolo, que a vó Olga
operava usando os joelhos com destreza ímpar.
No andar superior
tinha a biblioteca, com muitos livros autografados, presentes dos autores.
Havia também um apartamento destinado a quebrar galhos de filhos e netos e o
escritório, onde funcionava o shack, estação de radioamadorismo. Era repleto
de equipamentos, como o moderno receptor transistorizado e um pesado transmissor
a válvulas, a principal, lembro bem, tendo o tamanho de uma garrafa. Projetado e
montado por meu avô, esse radiotransmissor resultara num livro didático, com fotos,
ábacos e explicações, cujos originais ainda guardo em meus arquivos e que,
infelizmente, não chegou a ser editado.
Pioneiro do radioamadorismo, meu avô tinha um nome conhecido e respeitado no Brasil, não apenas como chefe militar. Ele implantara e organizara no Exército Brasileiro o Serviço de Transmissão, embrião da arma de Comunicações. No shack empunhava o pesado microfone, para se comunicar com o mundo, identificando-se pelo prefixo PY-1AV que ele bramia por extenso:
PY-1
ANTENA–VÁLVULA chamando!
PY-1
AMÉRICA–VENEZUELA na escuta!
Aos que pensam que o radioamadorismo tornou-se obsoleto, vale dizer que, ainda hoje, ele é muito praticado e continua prestando grandes serviços à humanidade.
1947 - Almoço dominical. Da esq p dir: meu irmão Claudio, tio Hertz, tia Eny, vó Olga, primo Amaro Hertz, vô Amaro, eu, minha mãe Elyette, meu pai Kelvin e tio Ajax
Vó Olga reinava
absoluta nesse ambiente. Com ternura e energia ela comandava não somente as
empregadas, mas todos nós, marido, filhos, noras e netos. Com um avental, imprescindível
indumentária de trabalho, ela era onipresente. Usava o acessório para segurar
um prato quente, abanar o fogo, enxugar as mãos, limpar a face de um neto,
proteger, envolver e dar carinho, recolher e transportar frutas e legumes. Era
sempre ela quem, pessoalmente, preparava as deliciosas iguarias dominicais, a
família reunida, meu avô de terno e gravata à cabeceira da mesa. De suas mãos
saiam coisas que eu nunca mais esqueci: o peixe assado com recheio de farofa
úmida, o bife à milanesa, do tamanho de um prato. Em ocasiões especiais,
preparava quitutes mais complicados, sempre por intuição, sem precisar
consultar livros de receitas, como vatapá, rabada ou mocotó, isso, se deixarmos de lado as
sobremesas. A minha preferida era a ambrosia, verdadeiro néctar dos deuses.
Quando alguém lhe perguntava onde adquirira tamanha arte, respondia, com a simplicidade
dos mestres: a necessidade ensina.
Realmente, a história da moça carioca, casada aos quinze anos com um jovem tenente de engenharia, que foi para o meio do mato no interior do Rio Grande do Sul morar num acampamento de construção de estradas de ferro, certamente daria um bom romance.
Realmente, a história da moça carioca, casada aos quinze anos com um jovem tenente de engenharia, que foi para o meio do mato no interior do Rio Grande do Sul morar num acampamento de construção de estradas de ferro, certamente daria um bom romance.
Meu avô nunca metia a mão na cozinha.
Assim os homens da família foram criados: cozinha
é lugar de mulher! O resultado é que eu nem mesmo aprendi a fazer um
simples ovo frito. Bons tempos aqueles, da casa de meus avós.
21 comentários:
Li atentamente!E com carinho a descrição feita por você sobre seu avô e conseqüentemente,sua família. Arrebanhando, por fim na sua infância. Ao ler senti saudades do bonde 66,no qual na minha mocidade viajei por inúmeras vezes. Hoje vivencio saudades. Bons tempos, em que as famílias se reunião para o almoço fraternal e para uma conversa informal. Meus parabéns por trazeres validas lembranças de seus avós e do jardim cultivado por sua avó.
Eu sou: José Lopes Cabral = Ex-sócio fundador do Rotary Clube de Nilópolis. Membro Ativo da Loja Maçônica União de Iguaçu.
Radicado em Nilópolis a setenta e trêis anos.
Um abraço.
Cabral
Bons tempos a casa dos dos avós.
O bairro da Tijuca era um oásis de veraneio perto do centro tumultuado da cidade do Rio de Janeiro ,onde até hoje os moradores ainda se dizem tijucanos em vez de cariocas.
Obrigado pelo maravilhoso texto.
Antonio Coutinho
EGD 2010/11 D4570
Bom artigo caro G. Alberto.
Obrigado.
Digo sempre aos amigos que constroem museus disso e daquilo, que precisamos, cada um, criar seus museus de felicidade, pois é um tema cada vez mais raro, pois associado ao consumismo, o que raramente causa felicidade sustentavel.
Abraços amistosos
Durval
G4550 2011-2012 Rotary E-Club Joaquim Bandeira
Caro comopanheiro: li com emoção o "Casa de meu Avô" a lembrar, com muita poesia, nosso poeta Manoel Bandeira, também lembrando a casa do avô, na rua da união: "tudo lá parecia impregnado de eternidade!"
Fico feliz em perceber sua veia poética e qualidades positivas de memorialista. Esperamos outros texros.
Admiração do
Roberto Galvão
Companheiro Bittencourt,
Lí de forma prazeroza sua matéria "A CASA DE MEUS AVÓS". Tudo nos chama atenção, mas, sua narrativa é primorosa, parece que estamos no local descrito. PARABÉNS!!!
Francisco Cunha
RC Olinda Norte
Companheiro Bittencourt,
hoje, com muito parazer, li sua narrativa "A CASA DE MEUS AVÓS'. Fiquei por alguns momentos pensando:com uma pessoa pode te o dom de nos levar a ter tanta saudade de nosso tempo de criança?... Não sou de sua idade. Muito mais velha, Meu grande prazer é ler coisa belas e bem escritas com suas matérias. Em tudo há um sinal de que você, além de culto é uma pessoa de grande sensibilidade.Me sinto priveligiada em poder ler seus escritos e agradeço aos "amigoscompadrão" por me proporcionarem esta oportunidade
Caro Alberto
até hoje não encontro ambrosia que possa ser comparada a da Vó.
Não lembro do Vô Amaro, nada posso relatar.
Já da Vó Olga, tenho carinhosas lembranças
Parabens pelo belo relato
EnyHz
2012,junho
Excelente, Alberto!
Me emocionei relembrando os domingos que sempre passávamos lá. Depois do almoço íamos a uma outra casa também muito querida, dos avós Brandão e Terezinha. Cruzávamos a cidade, da zona norte à zona sul no Ford 1951 do Pai.
Tomo a liberdade de sugerir alguns tópicos que, se quiser, você pode desenvolver:
- a bela escada (de mármore? granito?) que ascendia ao 2º andar, com o imponente vitral reproduzindo o castelo da Engenharia Militar
- o socavão (que outra casa no mundo teria um socavão?), onde ficavam as vassouras, o rodo e a lata de lixo
- Seu Armando, turco ou libanês, sei lá, que vendia de porta em porta verduras e legumes, transportadas em um grande tabuleiro
- a cerveja malzbier no almoço e o charuto logo após, que o vô Amaro se permitia aos domingos
- cerveja que, quando sobrava, a vó aplicava no cabelo para fortalecer (deve funcionar, pois ela, aos 90 anos, tinha pouco cabelo, mas nenhum fio branco)
Se puxar pela memória vem mais...
Abração,
Claudio
19 de junho
Bons tempos meu amigo!!!
Paraísos cada vez mais raros...
Parabéns!
Hipólito Lima
22 jun
Como é prazeroso recordações.
Parabéns pela linda família.
23 jun
Carlos Macieira
Ola Alberto!O saudosismo sempre alegra a alma.Ótima cronica.Gostamos de vê-lo na foto.
Abraços
Carlos Antonio e Bernadette
19 jun
Prezado Alberto
Doce e densa lembrança.
Um abraço
Carneiro
24 jun
Bittencourt bela recordação.No breve relato encontrei traços da família,que hoje, vejo em você
Um abraço
Ruy
25 jun
Caro, Alberto
Apreciei bastante o texto e da fotografia!
Paulo Brito
25 jun
Bittenca,
Que belas lembranças
querido amigo.
Bernardes
25 jun
Tereza Cristina Barbosa de Sousa
Dr. Alberto,
Parabéns pela crônica, relembrando sua infância e fazendo uma carinhosa e saudosa homenagem aos seus avós.
Abraços extensivos para Helena, Annie e Zé Maria.
25 jun
Texto bonito e saudosista, pena que não conheci meus avós. Imagino que também iria ter momentos maravilhosos como esses que vc retrata tão bem.
Abraços
Palmira Lira
26 jun
Olá Bittencourt.
Delícia de ler esse teu texto. Uma história leve, pura e real traça um retrato dos doces tempos de alguns anos. E olha que só de há bem poucos anos atrás estás falando. E tamanhas são as diferenças deste tempo de hoje...
De certo modo, me senti também tocada pelo lado de radioamadorismo praticado por teu avô. Meu pai, em Teresina, enquando menina ainda eu era, esse seu hobby que se foi prolongando por anos depois, montou também um shack no quintal de nossa casa. Até mandou construir um espaço ao lado da garagem de seu carro. Ali não incomodava ninguém, mas sempre tinha um enorme sorriso no rosto para os seus pequeninos e sempre curiosos filhos, que iam vê-lo no manejo daquela máquina meio mágica. Lembro-me de alguns episódios onde ele gritando PY-8 SP passava mensagens ora tranquilizadoras para alguns parentes preocupados com suas famílias por ter acontecido nesta ou naquela cidade algo muito desagradável. Como cheias, desastres de carro ou outro episódio triste. Mas, as notícias eram boas... Ou ao contrário. Quando usava seu microfone para preparar alguém para uma notícia dolorosa.
Numa de suas idas ao Rio para seus Congressos Médicos lembro de tio Bartolomeu, seu irmão que, sabedor do manuseio daquela máquina veio tomar o café da cunhada e tentar falar com papai num Rio para mim tão distante. Tudo deu certo e ele dirigindo-se aos filhos, começou a indagar que presentes desejávamos ganhar. Com uma voz meio trêmula de saudades, misturada com grande timidez só uma palavra eu falei: Sapatilhas! É que em Teresina, estudava eu balé e, minhas sapatinhas não eram das mais modernas, pois elas não existiam num comércio de cidade pequena. E que lindas ele trouxa minhas rosas sapatilhas!
Certas coisas guardamos na mente e no coração. Parabéns amigo Bittencourt. Pela escrita e pelo assunto.
Abraços fraternos.
Lúcia.
Muy bonito… Parabeins.
Frank
25 ago
Companheiro, falar de família é um sentimento que nos remete ao encanto doce de nossas infância.
Quando lembro da fazenda do nosso amado Vovô Niquito,no inteiro do Rio Grande do Sul(Colonia Vitória),o sentimento de saudades é muito grande, não ha palavras para expressar. Obrigada por nos remeter ao passado, pois e dele que tiramos serenidade para vivermos o futuro com harmonia e amor.
recomendações a Helena helenalabarços a
Elô, viajei no tempo pra uma época tão feliz, tão charmosa!
O Alberto escreveu divinamente! Lembro do peixe recheado c/ farofa, a minha sobremesa predileta também era a Ambrosia da Vó Olga. Nunca encontrei tão gostosa como a dela... Maravilhosa a descrição dele da Usina, uma região que até hoje parece uma aldeia - todo mundo se conhece. E o Vô Amaro c/ o radioamadorismo ? Pra mim parecia mágica. Eu fazia perguntas e ele, muito carinhosamente, me respondia. Lembro da Vó Olga e seu avental. O Alberto esqueceu de falar na deliciosa rede. Acho que eu, era muito criança, às vezes dormia com o balanço da rede. Que delícia. Mamãe e Vó Olga trocavam mudas de plantas. Será que o Alberto sabe que as casas estão lá até hoje ?
Berenice Muniz em e-mail para Eloina Hertz
17 de junho de 2012
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