ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

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quinta-feira, 9 de abril de 2020

CADERNOS DO SEMIÁRIDO


Cadernos do Semiárido

Alberto Bittencourt - 09 abr 2020








Cadernos do Semiárido














Antes de começar, parabenizo ao engenheiro e Professor Mário de Oliveira Antonino pela iniciativa de editar a coleção dos Cadernos do Semiárido, mostrando a verdadeira redenção do semiárido e a transformação do sertanejo.

Inicialmente rendo uma homenagem ao DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - órgão criado em 1909, com sede no Recife. É a entidade governamental encarregada da construção de açudes para enfrentar o flagelo da seca que ciclicamente assola a região.  Até hoje continua a exercer a função. Em 20 de novembro de 1954, meu pai, engenheiro militar, foi designado para presidir o DNOCS. Ia assumir no dia seguinte, discurso de posse já preparado. Quis o destino, entretanto, que um edema pulmonar o vitimasse aos 41 anos de idade.  Deixou a minha mãe, viúva e mais três filhos sendo eu o mais velho, com 12 anos recém completados. Infelizmente, o grande desafio na vida de meu pai não pode ser concretizado.

Desde criança, morador do Rio de Janeiro já ouvia falar da seca no sertão. Nos meios escolares dizia-se que a mesma não era produzida pela falta, mas, sim, pela má distribuição das chuvas. Com isso alternavam-se períodos de abundância e de completa escassez de água.

O período das chuvas produzia uma transformação na vegetação do sertão. Os galhos secos, acinzentados e queimados, de um dia para o outro, assumiam um aspecto verde, brilhante, viçoso, transformando-se novamente em fonte permanente de vida. Os rios temporários, secos, voltavam a fluir, trazendo de volta a fertilidade, a fartura, àquela gente, sertaneja e sofrida.

De repente retornava o período de estiagem.

O solo encarquilhado e rachado, dos leitos secos dos açudes e rios, no dizer de Graciliano Ramos, o gado esquelético morria à míngua de fome e de sede. A água dos açudes e poços, salobra, tornara-se imprópria para o consumo humano e animal.

Era quando chegavam os coronéis do sertão, os políticos com suas promessas vazias a pedir votos em troca de um prato de feijão, ou um punhado de tijolos, a trazer promessas de vida melhor. Era a chamada “indústria da seca”, em que os recursos destinados à luta contra as secas, eram na verdade, utilizados para consolidar a influência dos chefes do interior.

Ocorria então o fenômeno chamado de êxodo rural.

Os homens, não raro, abandonavam as famílias, casas, terras, e se empoleiravam nos “paus de arara”, em direção ao sul, na busca de trabalho e dinheiro. Deixavam a mulher e as crianças a passar fome, na pobreza extrema, na mais absoluta miséria, a sobreviver não se sabe como, por meses e até anos seguidos.

As escolas quando funcionavam, fingiam ensinar. Os alunos passavam de ano em ano, na condição de analfabetos funcionais.

Assim, viviam as crianças da seca, abandonadas à própria sorte. Perdiam a idade da razão, os anos em que o cérebro é mais receptivo, mais capaz de assimilar novos conhecimentos. Assim era o sertão, assim vivia o sertanejo, acostumado com a falta d’água, consumindo a água turva dos barreiros, a conviver com doenças tropicais as mais diversas.

São Paulo foi construída pela mão de obra dos nordestinos, apelidados genericamente de "paraibas". Eram migrantes premidos pela fome, pela seca. Foi quando batizaram toda essa área de semiárido, por ser característica de um índice pluviométrico baixo, inferior ao da evaporação.

O semiárido proporcionou o maior movimento migratório do campo para as capitais. Segundo dados do IBGE, até 1970, a população rural da região somava quase o dobro da população urbana. Em 30 anos, deu-se um acentuado movimento migratório do campo para as cidades.  Segundo o censo demográfico de 2010, a população urbana da região nordeste já superava em mais de duas vezes a do meio rural.   Hoje, em 2020, o índice de urbanização da região é de cerca de 80%.

As cidades, entretanto, não dispunham de infraestrutura para absorver essa massa humana. As consequências foram: favelização, violência urbana, poluição, enchentes, pobreza extrema, doenças, fome. Todos esses males surgiram de repente.  As capitais do Nordeste passaram a ostentar os maiores índices de violência de todo o território nacional.

A partir do ano 2000, novas soluções começaram aparecer:

• O aproveitamento das águas das chuvas através da construção de cisternas.  A ONG ASA - Articulação  do Semiárido -  estabeleceu a meta de construir 1 milhão de cisternas para captação das águas das chuvas, coletadas nos telhados das casas.

• O Exército Brasileiro dispôs de 300 caminhões-pipas para fornecer água potável nas regiões mais secas.

• A perfuração de poços se ampliou, apesar de ser uma região em que o maciço rochoso impermeável chamado cristalino chega aflorar em muitos pontos, impedindo a formação de lençóis d’água subterrâneos.

• Começaram a surgir as hortas e áreas de cultura agrícola chamada de ciclo curto, destinada a prover a subsistência familiar.

• Barragens subterrâneas destinadas a represar a água que corria no subsolo, mantinham o solo fértil na superfície.

• Sistemas de agricultura doméstica, como as denominados de “mandala”, constituídos por um tanque circular de baixa profundidade, cimentado, com 30m de diâmetro, cercado de plantações irrigadas por bombeamento, com mangueira furada e cotonetes.

• Defensivos agrícolas orgânicos formados por raízes fermentadas, mantinham os insetos predadores à distância.

• Sobretudo a transformação se deu com a chegada dos ovinos, de carne mais saborosa e macia. A ovelha nordestina é desprovida de lã, perfeitamente adaptada ao clima e à temperatura do semiárido. 

• Mas o sertanejo não abandonou a cultura dos caprinos, mais antiga. Seus hábitos alimentares não mudaram com a chegada dos ovinos. A preferência de consumo do sertanejo continuou sendo a carne de bode e seu prato predileto a famosa buchada. O desenvolvimento das crianças continuou na base do leite de cabra, de qualidades fortificantes e imunizantes.

 Os últimos anos trouxeram uma verdadeira revolução nos hábitos e costumes do sertanejo cujas vestimentas características eram o chapéu, o gibão e as sandálias de couro cru, para protegê-lo dos espinhos e arranhões provocados pela vegetação da caatinga. Isso tudo fixou homem na rica terra de origem e trouxe uma nova esperança para o sertanejo, sobretudo um forte, no dizer de Euclides da Cunha.




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