ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

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ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, conferencista, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

ECOS DA CASERNA 2

Ecos da Caserna - 2
Alberto Bittencourt

Forte Orange, na ilha de Itamaracá, PE



Os jornais noticiaram em primeiras páginas, manchetes de rebeliões em presídios de Segurança Máxima, com centenas de mortes e fugas.  
O diagnóstico é claro.  O sistema prisional do Brasil há muito vem  montado em cima de um barril de pólvora. 

Superlotação e ociosidade

As estatísticas são gritantes: 
600 mil presidiários com um deficit de 250 mil vagas. Enquanto isso, 2 bilhões de Reais destinados à construção de mais presídios, dormitam há anos nas gavetas da burocracia estatal. 
40 % dos presos são provisórios, não sentenciados, para uma média de 8% no restante do mundo. 
A legislação paternalista acredita na ressocialização de pessoas na maioria irrecuperáveis.  
Cumpridos um sexto da pena com bom comportamento,  entram no regime semi-aberto. 
50% deles voltam a cometer delitos.  
O criminoso tem direito a bolsa-presídio e ao trabalho com remuneração mínima de 70% do salário mínimo. Tem direito a educação e outras benesses pagas pelo povo brasileiro. 
Assim mesmo, apenas 30% exercem algum tipo de atividade legal.  
Muitos são clandestinos, como os chaveiros dos presídios cariocas.  Estão ali em troca do poder e do tráfico de influências. 

Os presídios são verdadeiras escolas de criminalidade. 

Mas nem sempre foi assim.

Recém-chegado ao Recife em janeiro de 1972 após o término do meu curso de Engenharia de Construções e Fortificações do IME - Instituto Militar de Engenharia - vim servir na CRO/7 - Comissão Regional de Obras da 7a RM, órgão responsável pelas obras militares nos estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e no então território Federal de Fernando de Noronha. 

A CRO/7 tínha por objetivo, executar obras de construção,  reconstrução, reforma, restauração, melhoramento em instalações militares nesses estados. 

A CRO/7 era um órgão militar e técnico.  
Uma das missões recebidas, fruto de um convênio entre o Ministério  do Exército e o Ministério da Educação e Cultura, foi a restauração do Forte de Orange situado na ilha de itamaracá. 
Tratava-se de uma Fortaleza inexpugnavel, construída pelos holandeses e, após a derrota desses no continente, foi ocupada pelos portugueses. 

A obra precisava de reparos urgentes. As paredes externas eram formadas por blocos de uma pedra calcária amarelada existente em algum ponto afastado da ilha. 
Não se sabe como, esses blocos foram transportados pelos holandeses para aquele local estratégico de controle do acesso marítimo  para Recife e Olinda. 
Os blocos de pedra eram justapostos e colados com óleo de baleia já que não existia cimento naquela época. 
Com o avanço da maré, a parte das muralhas sujeita à agressividade do mar, estava ameaçada de ruir. 

O trabalho inicial foi redesenhar o projeto original, colocando tudo em papel vegetal,  sob a orientação dos técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN.  O chefe  era o professor Airton da Costa Carvalho e o corpo técnico formado por outros arquitetos professores da Universidade Federal de Arquitetura, como os arquitetos José Luís da Mota Menezes, Helvio Polito e outros. 

Em seguida demos início à obra, sendo o mestre de campo encarregado dos trabalhos o sargento Etevaldo trazido especialmente da Paraíba pelo chefe da Comissão, o major joão Magalhães de Souza, que já conhecia a sua capacidade de trabalho eficiência e liderança no trato com operários em outras frentes nos batalhões de construção do Nordeste, naquele tempo.

Não sei de onde surgiu a ideia, mas o  major Magalhães resolveu usar a mão de obra dos detentos da Penitenciária Agrícola de  Itamaracá.  Cerca de 40 a 50 reeducandos, como eram chamados pelo diretor, foram empregados em serviços de cutelaria, corte de pedras, na reconstrução de parte das muralhas e dependências internas. 

Foram todos escalados pelo diretor como voluntários. Nesse serviço, o pagamento vinha na forma de uma pequena quantia semanal, alguns cigarros por dia, mais  um maço por semana. Todos trabalhavam de forma dedicada e disciplinada. Em pouco tempo o sargento Etevaldo verificou que era muito melhor a mão de obra do condenado por homicídio, do que a do condenado por roubo o assalto. O homicida, homem rude do interior, as vezes sentenciado por uma questão emocional, uma briga ou discussão de bar ou por um crime passional era, dentro da sua rudeza, um homem puro. Já o ladrão, esse era o malandro de sempre, querendo dar o golpe nos outros. 

Desse tempo surgiu o senhor Amaro, mais conhecido como o guardião do forte que, após o término das obras,  ficou encarregado de cuidar das instalações restauradas. Louro, olhos azuis, certamente um descendente longínquo dos holandeses, Amaro começou a gerir uma pequena loja de artesanato, servia de guia para os visitantes e organizou também um pequeno museu com os objetos encontrados na restauração, como bolas de ferro fundido que serviam de munição para canhões, cachimbos de barro de variados tamanhos e outros objetos. 

Amaro tomou conta do forte por muitos anos, até o dia em que foi dispensado. Mudou-se para a cidade, tendo sido assassinado logo depois, em briga com vizinhos e desafetos. 

Mas o que eu gostaria de ressaltar é que esses conflitos que lemos diariamente no jornais, com  muitos assassinatos gestos de violência sem par, degolas e esquartejamentos, ao nosso ver são frutos da ociosidade e da superpopulação de nossos estabelecimentos penais. 

A legislação moderna e avançada do Brasil, fora da realidade, estabelece que todo o trabalho tem que ser remunerado. Ora, o preso já se beneficia de uma bolsa para a família se manter, a chamada bolsa presídio, fora a despesa que gera para nação.

Pela lei, o apenado não pode trabalhar como voluntário. Tem que receber uma remuneração considerada justa. 

Isso faz com que fiquem ociosos, amontoados pela circulações, pátios e celas, sem nenhuma atividade, pensando apenas nos crimes que poderão cometer.  Só pode dar no que deu. 

Trabalhamos cerca de dois a três anos na restauração do Forte Orange sem que houvesse um único conflito, um só problema. Os homens se  sentiam úteis e produtivos com o trabalho.


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