ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

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ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, conferencista, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

segunda-feira, 7 de maio de 2018

TE VEJO ─ ESTOU AQUI



SAWA BONA - SIKHONA
TE VEJO - ESTOU AQUI
Alberto Bittencourt
(março de 2010)



Lagoa do Araçá, bairro da Imbiribeira, Recife, PE




Certa manhã de sábado, estava eu às margens da Lagoa do Araçá, aprazível recanto recifense, situado no bairro da Imbiribeira, a meio caminho da zona sulPraticava o cooper matinal na pista de 1,5 km de extensão, circundando o espelho d’água.
A presença de alguns pescadores fazia supô-la livre de poluição. A pequena quantidade de automóveis também garantia a qualidade do ar. Enfim, o lugar, calmo e tranquilo, é um presente para as crianças, uma alegria para os moradores do bairro.
Até quando? o pensamento negativo me inquietou. Espigões já começam a despontar no entorno. A propaganda oferece os privilégios da vista para a lagoa.                    

Numa das voltas notei a pobre senhora, de olhar perdido no espaço. Estava sentada num banco de concreto. Segurava com cuidado um pequeno volume que adivinhei ser algum tipo de presente.
Roupas surradas, cabelos grisalhos em desalinho, trazia o semblante fatigado, envelhecido, como tantas pessoas castigadas pela vida.
De repente, levantou-se, num salto.
Na calçada, do outro lado da rua, um vulto em trapos caminhava lentamente, arrastando os pés. Cabelo e barba desgrenhados,  emaranhados, compunham o aspecto doentio dos mendigos mais desamparados.
A mulher restou imóvel por alguns segundos, junto ao meio fio. A seguir, estendendo o pequeno embrulho, gritou:
Feliz aniversário, meu filho!

Sem esboçar qualquer gesto, homem continuou a andar.  Lentamente seguiu seu caminho, sem olhar, sem ouvir, sem sentir, até desaparecer na esquina.
A mulher sentou-se encolhida e começou a chorar.
   
Ele é seu filho? perguntei.
Sim, disse, entre soluços. 
Prosseguiu: 
É um menino, não passa de um adolescente. Juntou-se às más companhias, envolveu-se com drogas, deixou de estudar, começou a roubar. Primeiro foram os objetos de casa, depois as pessoas nas ruas. Tornou-se agressivo, gritava, me batia quando eu ameaçava chamar a polícia. Passava dias trancado no quarto. Quando pedi ajuda para interná-lo numa clínica, ele fugiu. 
Continuou:
Passaram-se meses, quase um ano, sem que eu tivesse qualquer notícia. Procurei loucamente. Há pouco, soube por antigos colegas, que ele vivia por aqui.
Mandei um recado, dizendo que no dia de hoje estaria à sua espera, sentada neste banco, à beira da lagoa de Araçá. Hoje é o dia do aniversário dele, sabe? Completa 18 anos. 
Estou esperando há mais de duas horas. Você viu? Ele passou, não me falou, nem me olhou, não fez um gesto, nenhum aceno... Está tão magro, sujo, coitado, deve estar doente. Ele precisa de ajuda. Não sei o que fazer. 
A mulher começou a chorar. De repente seu rosto se  anuviou. Chegou a esboçar um leve sorriso. 

Mas ele veio, ele me viu, ele sabe que estou aqui.
Tais palavras lhe deram uma nova força, um novo ânimo.
Agora ele sabe que pode contar comigo. Agora ele sabe que eu estou sempre pronta a recebê-lo, a ajudá-lo, do jeito que ele estiver, onde quer que ele esteja.

Pensei: 
Como poderia eu ajudar a essa pobre mulher? Em seu amor de mãe, ela jamais perdera a esperança
Balbuciei:   
Conheço uma comunidade terapêutica. Fica num sítio em Igarassu. Chama-se "Cristo Liberta". Algum dia, talvez...  
Deixei meu cartão e continuei a caminhada.
Nunca mais ouvi falar dela, mas o acontecido transformou minha vida. 

A expressão: ele me viu, ele sabe que estou aqui, vinda do mais profundo âmago daquele ser em prantos, tinha a força da própria vida, a certeza do futuro, a fé na volta do filho desviado. 
-Ele me viu, ele sabe que estou aqui-, significa como é importante para aquela mãe estar lá, simplesmente, na eterna esperança, sem cenas, sem dramas, a dor recolhida ao coração.

Esta é uma história verdadeira. Como tantas outras,  expressa a solidariedade, o amor, a compreensão.
Faz-me lembrar a sabedoria das tribos zulus, da África do Sul. Eles se saúdam de um modo peculiar, nos encontros e nas despedidas, como quem diz olá, ou até logo.
À saudação -sawa bona, que, literalmente quer dizer -te vejo, corresponde uma resposta, -sikhona, que, também literalmente, significa -estou aqui.
Para os zulus, -te vejo, significa:
-eu respeito você, eu valorizo você, você é importante para mim.
E a resposta -estou aqui significa: 
-eu existo para você, pode contar comigo, eu estou disponível para servi-lo.
Portanto, -eu vejo vocês. Nós vemos vocês. Estamos contentes por vocês estarem aqui.

Sawa bona  -  Sikhona.

17 comentários:

ROTARY SETÚBAL disse...

O ROTARY QUE TEM A CAPACIDADE DE MUDAR O MUNDO DE FORMA PAULATINA E ININTERRUPTA
JÁ DEVERIA DEBRUÇAR EM PROJETOS HUMANITÁRIO DE RECUPERAÇÃO AOS DEPENDENTES DE DROGA.NÃO SERIA UMA OPORTUNIDADE DE SE PENSAR EM UM GRANDE PROJETO COM O ENVOLVIMENTO DE TODOS OS CLUBES DA REGIÃO METROPOLITANA DO DISTRITO 4500?

EDVALDO ARLEGO MARQUES disse...

Caro companheiro Alberto.
Parabéns pelo texto.
É de uma sensibilidade a toda prova. Histórias semelhantes encontramos, eu e Marileide, entrevistando nas ruas do bairro de São José, durante dois anos, vários moradores de rua e ao final escrevi o livro Anjos das Ruas, o qual faz parte de uma trilogia ao lado de Anjo Sedutor e Guerreiros do Asfalto. Identificamos histórias curiosas e de muita importância para que nossa juventude pudesse melhorar. Gostaria de publicar um livro seu com crônicas dessa natureza para levá-lo aos nossos jovens.
Estou aqui.
Arlégo. 

ANA HERTZ disse...

Muito bom. É isso - eu vejo você, e a resposta de que estou aqui - fundamental.
Ana Hertz

ALFREDO NUNES disse...

Bom; parabéns

MÁRIO MORAES disse...

Parabéns!

Unknown disse...

Prezado amigo Alberto Bittencourt: O nosso ROTARY, que abraça tantas causas, deveria direcionar projetos que possam amparar e salvar vidas tão ameçadas pelo uso das drogas. Esta praga é pior que qualquer tragédia, destas acontecidas nos últimos tempos. É, na minha visão, nada menos que a tragédia das chuvas (Terezópolis/Petrópolis/Nova Friburgo/XERÉM/SANTA MARIA) Se lá morreram centenas de pessoas, também nesta, são centenas ou milhares de vidas ameaçadas para as quais deveriamos direcionar projetos de ajuda. Tal e qual a CAMPANHA DA POLIO, deviamos tratar este flagelo. É terrível ver ou assistir meninos/as, jovens adolescentes e até adultos, perambulando por entre carros nas importantes avenidas, correndo atrás de drogas através das aquais eles destroem suas vidas e tantos, e amargos sofrimentos envolvem seus parentes mais próximos ou até amigos que assistem suas desgraças sem nada poderem fazer.
CLAMAMOS AOS CÉUS PROTEÇÃO PARA ESTES SERES. E QUE O ROTARY POSSA ABRAÇAR ESTA CAUSA DE COMBATE ÀS DROGAS.
Seria esta uma causa a ser trabalhada pelas próximas governadorias.
Líderes como ALBERTO BITTENCOURT poderão ser os libertadores ...
Parabéns Amigo, por mais este artigo que nos sensibiliza.
Antônio J. C. da Cunha
Rotary Club Duque de Caxias

PALMIRA LIRA disse...

História incrível, cada dia agradeço a Deus por não passar este
sofrimento desta mãe, mesmo assim digo para meus filhos que estou e
estarei sempre aqui.
abraços
Palmira Lira

Lúcia Vsconcelos Lopes. disse...

Boa noite Bittencourt,
Tocante sua crônica. O sofrer desta mãe não pode ser mensurado. Estou de acordo com a maioria daqueles que postaram comentários sobre a possibilidade do Rotary abraçar esta causa. Entretanto, um árduo trabalho espera aqueles que nele venham a si envolver. Há alguns anos atrás, fiz um trabalho científico no Rio e em São Paulo sobre drogas. Vi pessalmente jovens sairem de suas casas. Um deles, inclusive, era filho de um médico, em direção a alguns Centros de Reabilitação. O estado dos pais e dos dependentes era simplesmente terrível. Tive também neste trabalho, a oportunidade de entrevistar alguns dependentes adolescentes, já infratores, no proprio presídio a eles destinado em São Paulo. Lugar terrivelmente deprimente e jovens dependentes sofrendo as mais variadas e trágicas situações. Estava eu em situação privilegiada para coletar informações. Minha base de pesquisas, com direito a deslocamentos, sediava-se na USP. Estava eu sob a tutela de um dos maiores pesquisadores sobre o assunto na época. Tratava-se do médico Dr. Ayuche Morad Amar. Nos deslocamentos que ele fazia, sempre estava eu presente. E uma grande biblioteca sobre o assunto ficou a minha disposição. Assim, me fui assenhorando de conhecimentos de base e visões pessoais sobre o problema Drogas. Apenas para você dimensionar a situação, duas universidades no Sudeste tiveram interesse em publicar meu trabalho. Mas, na hora das escolhas, minha pesquisa ficava de lado. Interessante, é que esse mesmo trabalho foi publicado no Canadá. Dá para perceber o descaso de duas importantes Universidades brasileiras, com seus intelectuais componentes, para com um problema que estava lá, às suas portas. E, renovo-lhe, ilustre amigo, a afirmativa feita sobre as possíveis dificuldade que terá um grupo, ao trabalhar esse câncer em nossa sociedade. Embaso minhas palavras, em uma frase ímpar a mim passada por Dr. Ayushe. Disse-me ele à época: "Enquanto nós tratamos o problema das drogas no Brasil na velocidade de um fusquinha, os gordos traficantes estão se locomovendo na velocidade de um jato". É realmente o que me parece ser ainda hoje, o quadro dessa problemática. Tenho comigo a sensação que nada, nenhum trabalho de vulto, alterou a frase por mim ouvida há alguns anos. Mas, isso não significa que fiquemos parados diante deste contexto. Caso o Rotary venha a encampar esse problema se terá ao menos a sensação de que a nossa parte está sendo feita. Ainda que andemos na velocidade de um fusquinha...SIKHONA, caro amigo. E, mais uma vez PARABÈNS!
Lúcia Vasconcelos Lopes.

SOUTERLAND TADEU GRANDO disse...

Caro Alberto Bittencourt.
Entre achar um tempinho para ler um texto seu a desejar ler todos eles, passando a arquivá-los em pasta específica, foi proporcional a qualidade, a sensibilidade e o envolvimento que os mesmos proporcionam.
Do cotidiano a história passando sempre pelo conhecimento e autoconhecimento, estes conteúdos são sempre oportunos e aplicados a situações institucionais, peculiares ou pessoais.
Obrigado
Um abraço

rcjpnorte4500 disse...

Parabéns companheiro você está certo acho também que o Rotary deveria abraçar esta causa

MANOEL MORAIS disse...

Prezado companheiro Alberto Bitencourt
Parabéns pelo excelente e comovente texto.
Abraços
Manoel Morais
R C Campina Grande.

SALOMÃO AZULAY disse...

Meu melhor amigo do Recife,
li o seu texto "TE VEJO=ESTOU AQUI, Parabéns.
Que o Rotary por sua proposta comece mais um trabalho com os drogados.
As Igreja Cristãs e outras já estão nessa luta de recuperação de drogados há algum tempo.
Os traficantes e os drogados são mais um tipo de expressão da degradação humana explicada pela Teologia da Queda. Segundo Jesus eles são o nosso "próximo" da parábola do Bom Samaritano.
Se como indivíduos nos sentimos impotentes para ajudar, como parte ou melhor como membros de instituições que visam servir (e não ser somente servidos) devemos fazer alguma cousa para minorar a dor de muitos que sofrem por causa das drogas. Peço-lhe: coloque este comentário no seu blog. Abraços
Salomão Azulay (de Belém do Pará)

SUELY ARAUJO CAVALCANTI disse...

Amigo Alberto ,
como sempre , seus textos revelam sua sensibilidade e comprometimento , como pessoa e ROTARIANO , com a melhoria da qualidade de vida no nosso mundo , em especial com os segmentos miseráveis , sob todos os aspectos . "TE VEJO - ES- TOU AQUI " é um precioso exemplo das feridas que sangram não longe de nós , significando um brado de S.O.S pouco escutado ou visto por muitos !
O ATO POLÍTICO não pode continuar dependendendo exclusivamente de Parlamentares , de qualquer instância , embora lhes outorgamos tal dever a realidade nos tem revelado , por séculos , que sob pontos cruciais a miserabilidade perpassa por eles , e longe está de superação . Como cidadãos , onde quer que atuemos , temos que assumir nosso papel /função de SER POLÍTICO e criarmos alternativas que resgate ou reconstrua a bonança de direito HUMANO / ECOLÓGICO , forjadas por nossa própria ignorância e egoísmo .
Concordo com a sugestão de seus companheiros no sentido de que o ROTARY encarne essa causa (DROGAS ) numa dimensão mais ampla e contundente , embora saibamos do quanto seja uma instituição já perseguidora disso . Se o testemunho é capaz de se proliferar , que seja um que assinale o BEM ! Confio , embora complexo, nesse caminho que você escolheu , PARABÉNS !!! Abrs. Su...

SUELY MATTOS disse...

Parabéns companheiro Alberto,
linda e triste reflexão. que sofrimento impotente dessa ,mãe. É comovente a fé que expressa,. , é só o que lhe resta..
Só alguém com sensiibikidade como vc, seria capaz de perceber tudo isto. a maioria enxerga, ,mas não vê!

MIM disse...

Companheiro e Confrade Alberto Bittencourt, lindo texto Sawa-Bona-Shikona, emociona as palavras de uma mãe que quer ver seu filho e dizer-lhe que estará sempre disposta a ajudá-lo.
Há muita sensibilidade em suas palavras ao descrever a atitude dessa mãe.
Abraços.
Saudações Acadêmicas.

Alberto Bittencourt disse...

De George Araujo Alves, em 05 de maio de 2021:

Querido Comp. GD ALBERTO BITTENCOURT, fico muito sensibilizado com essa crônica, por vários motivos, mas, pelo dois destaco:
Um é a riqueza de detalhes com que é feita a narrativa do encontro, e,
Dois, é que vivo cotidianamente nesta localidade, onde moro e faço minhas caminhadas matutinas.
De fato, hoje, já não se tem a mesma paisagem da Lagoa do Araçá, pois a especulação imobiliária já contaminou a paisagem com tantos prédios que também prejudicou a tradicional tranquilidade.

Voltando à significante MENSAGEM, nos sentimos privilegiados mais uma vez com essa vossa obra.
👍🏼👍🏼👍🏼👏🏻👏🏻👏🏻🙌🏻🙌🏻🙌🏻

Unknown disse...

Parabéns ALBERTO pelo texto rico em sentimentos. Talvez,uma associação com instituiçoes Cristãs, que cuidam de drogados e lutam com sacrificio seria mais recomendavel do que iniciar umm trabalho de recuperaçao de drogadoos.
.Estarei sempre disposto a ajjudar. Força, luz e inspiraçao. Forte abaço, Arildo