ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

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ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, conferencista, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

domingo, 12 de maio de 2019

MEUS MOMENTOS ROTARY




MEUS MOMENTOS ROTARY
Alberto Bittencourt
Palestra realizada no Rotary Club do Recife, em 09 mai 2019





Há momentos em nossas vidas que nos lembramos para sempre. Esses momentos tornam-se nossas histórias e nos ajudam a entender e conectar com a comunidade global maior. 
Quando contamos as nossas histórias, nós inspiramos os outros a contarem as suas histórias, o que produz uma mudança positiva.  
Em última análise, através do poder de contar histórias construímos comunidades mais saudáveis, ambientes de trabalho mais eficazes, e enriquecemos as escolas de aprendizagem que frequentamos em nossas vidas.  

 Sabe o que é um momento Rotary?
É um momento que representou um impacto na sua vida de rotariano. Algo que o tenha marcado de modo indelével, mudado o seu comportamento, a sua compreensão do mundo e das pessoas. Como tal, esses momentos devem ser percebidos, registrados, e preservados para o futuro.
No site My Rotary, o local adequado é:
"Vozes do Rotary – histórias do mundo rotário"
Vou contar alguns dos Meus Momentos Rotary, histórias que vivi, e fui colecionando ao longo de quase 35 anos de vida rotária.


MEU PRIMEIRO MOMENTO ROTARY
Ocorreu muito antes de meu ingresso no Rotary, porém o impacto foi tão forte, que acendeu em meu coração a primeira chama do ideal de servir.

A Primeira Chama

Recém-formado pela Academia Militar das Agulhas Negras, ainda no posto de aspirante a oficial da Arma de Engenharia, já no comando de um pelotão, fui designado em abril de 1964, para manter a ordem e dar segurança à Fábrica Nacional de Motores.

Situada no distrito de Xerém, município de Duque de Caxias, Estado do Rio de Janeiro, no sopé da serra de Petrópolis, limite da baixada fluminense, a fábrica vivia momentos de grande tensão e agitação que chegavam a afetar a produção industrial.

Ali se fabricava o famoso caminhão FNM, mais conhecido como Fenemê. Naquele tempo, a quase totalidade do transporte rodoviário de carga no Brasil era feito pelos caminhões Fenemês. Valentes, robustos, possantes, esses veículos varavam o país de ponta a ponta, dominavam absolutos as estradas de terra e lama, levavam o progresso aos quatro cantos do país. Ainda não haviam chegado os Mercedes, Volvos, Scânias, Fords, Chevrolets, Volks, tudo era feito pelos Fenemês, produzidos, para orgulho nosso, por uma fábrica genuinamente brasileira, do governo, a Fábrica Nacional de Motores.

Originariamente, muito antes da EMBRAER existir, a Fábrica Nacional de Motores fora construída para fabricar motores de avião, com o fim de garantir mercado de trabalho para os engenheiros aeronáuticos formados pelo ITA. Em seguida, foi transformada em fábrica de caminhões. Anos mais tarde foi vendida para a Alfa Romeu que, por sua vez, a vendeu para a Fiat que, posteriormente, a fechou.

Numa noite escura e fria, às duas da madrugada, eu rondava de jipe pelos postos de sentinelas, acompanhado apenas do motorista. Ao contornar a fábrica pelo lado de fora, notei uma sombra fugidia a se esgueirar no escuro, junto aos muros. A chuva fina e cortante dificultava a visão. A figura de pronto despertou-me suspeita. Com cautela, fui me aproximando. Aos poucos, foi se delineando um vulto enrolado em panos dos pés à cabeça. A cada passo trôpego, seu corpo estremecia. Encandeada pela luz dos faróis, divisei um rosto de mulher. Transportava nos braços um volume amorfo, indefinível e chorava.

   Para onde vai? perguntei.
   Estou indo para casa, respondeu entre soluços.
   O que aconteceu?
   O hospital não quis receber o meu bebê.
   Por quê?
   Meu bebê morreu.
    
  Fixei o olhar com atenção. Envolto nos trapos, havia um bebê de no máximo dois meses. A chuva fria apertava. Ofereci-lhe carona.

Só então verifiquei que o corpo franzino, pequenino, jazia inerte nos braços da mãe. Certamente essa fora a razão pela qual o hospital não quis o receber. A criança já estava sem vida quando lá chegou .

Meu bebê morreu dormindo, sufocado, disse a mulher.

No pequeno barraco em que viviam pude constatar a dimensão da tragédia humana.  Espremidos em apenas um vão insalubre e mal ventilado, moravam a mulher e quatro filhos, idades entre 2 meses e 4 ou 5 anos. O chão de terra batida, as paredes e o teto de restos de tábuas, pedaços de zinco, misturados com plástico e papelão. Para chegar ao pequeno fogão no fundo do quarto, tinha que levantar um estrado. O bebê morrera asfixiado, porque todos dormiam embolados naquele arremedo de cama.

Tal aconteceu em 1964. O Brasil tinha uma população de apenas 80 milhões de habitantes. Os jornais da época já noticiavam constantemente que: crianças eram vítimas de deslizamentos de barreiras, pois moravam em lugares perigosos; bebês eram roídos por ratos, porque viviam em lugares infectos; crianças morriam de disenteria por falta de água potável; esgotos serpenteavam a céu aberto, nas chamadas valas negras; padrastos estupravam enteadas, habitantes de um só vão; adolescentes eram abusadas por irmãos mais velhos, porque dormiam todos na mesma cama. Nas guerras, nas calamidades, nos cataclismos, as primeiras vítimas são sempre as crianças.

Hoje, cinquenta anos depois, nossa população pulou de 80 para mais de 200 milhões, e o que mais aumentou foi justamente essa camada mais pobre, excluída, despojada e desprovida de tudo.

O que fazer?

O fato, ocorrido na minha juventude, acendeu em meu coração a primeira chama, despertou a vontade de servir, de fazer algo que pudesse mudar esse estado de coisas.  Anos depois eu encontrei no Rotary o caminho que buscava.

Posso garantir ter sido esse o meu primeiro Momento Rotary.


MEU SEGUNDO MOMENTO ROTARY

Porque entrei no Rotary

Ocorreu pouco antes de meu ingresso no Rotary.
Certa noite, nos idos de 1982, ao ligar a televisão na rede Bandeirantes, deparei-me com um programa de entrevistas do famoso cartunista Ziraldo. O nome do programa era "Etc". Na ocasião ele entrevistava Dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife.

O programa durou apenas um ano, pois tanto Dom Helder quanto Ziraldo não eram bem vistos pelo regime militar da época.

A entrevista já havia começado, mas a parte que assisti causou-me tremendo impacto. Foi como se um choque elétrico sacudisse meu corpo, minha mente e, a partir daí eu entrasse em convulsão. Senti-me pequeno, impotente, fraco, diante de um mundo que clamava por mim. Senti-me desafiado, uma espécie de chamamento.

Que poderia eu fazer? Dar de ombros, cruzar os braços e deixar pra lá? Ou tentar fazer alguma coisa, por menor que fosse. O que assisti, mudou minha ótica do mundo, mudou meu comportamento e minhas atitudes. Nunca mais fui o mesmo, nunca mais esqueci. Hoje, ao relembrar, acredito que tenha sido este, o meu Segundo Momento Rotary.

Ziraldo e Dom Helder comentavam o mundo de injustiça social, de desigualdades, de exploração, de miséria, de sofrimento, de doenças evitáveis, de moradias insalubres e indignas que permeia a sociedade e afeta um número cada vez maior de pessoas. 

A certa altura, Ziraldo lançou a pergunta: 

_Padre Helder, que conselho o senhor daria, o que o senhor diria aos que nos assistem, aos inconformados como nós, que querem fazer alguma coisa para melhorar esse quadro de sofrimento, de injustiça social, de exploração, de miséria, que acabamos de comentar? Qual a sua mensagem aos nossos telespectadores, Dom Helder? 

Dom Helder não titubeou. Respondeu com apenas três palavras. As três palavras que chicotearam minha alma, que me fizeram parar, pensar, e me modificaram a partir daquele instante. 

Dom Helder disse apenas três palavras:  Não fique só !

E repetiu:  Não Fique Só ! 

Concluiu:
_Sozinhos nós somos frágeis, pouco podemos fazer. Mas unidos, podemos sonhar o impossível. Podemos mudar o futuro de muitas crianças, podemos levar a esperança aos enfermos, dar melhores condições de vida aos idosos, trazer um alento aos desesperados. Juntos podemos mudar o mundo. 

Pouco depois recebi o convite para ingressar no Rotary.

Depois eu soube que Paul Harris reuniu três amigos e fundou o Rotary, porque se sentia só.

Então, no meu discurso de posse, repeti as palavras de Dom Helder, e o que me motivou a ingressar no Rotary:   Não Fique só !

Esse foi o meu Segundo Momento Rotary.


MEU TERCEIRO MOMENTO ROTARY
  
O Sentido da Vida

Jamais esquecerei de uma cena que assisti, há cerca de dez anos, na creche Lar de Caritas, situada no Jardim Piedade, município de Jaboatão dos Guararapes. 
Eu, rotariano, trabalhava como voluntário na construção de novas instalações, quando uma mãe desesperada chegou com um bebê no colo. Era uma menina, chamada Daniele, caçula de quatro irmãos de zero a quatro anos.
Todos ali já conheciam o drama daquela mulher, vivido há três meses. Foi num dia de chuva torrencial, em que a pequena favela situada na frente da creche ficou inundada pelas águas e esgotos que, a céu aberto, serpenteavam in natura por entre os barracos, nas chamadas valas negras.                                             
 O barraco de vão único, chão de terra batida, paredes de plástico e restos de madeira, ficou inundado. O bebê, de apenas três meses, caiu naquela água infecta. Foi o suficiente para contrair septicemia, infecção generalizada, que o deixou três meses internado na UTI infantil.

Ele viera de ter alta, mas, malgrado todos os cuidados médicos e nutricionais, o estado geral não apresentava melhoras. O bebê continuava prostrado, sem vida, sem reação, sem emoção.
A mãe, desesperada, procurou socorro no Lar de Caritas. Foi entregue a uma enfermeira prática, de nome Nancy, humilde, magra, funcionária da creche, que cuidava das crianças. A mulher tomou o bebê nos braços, friccionou-o vivamente. Tenta fazê-lo rir, brinca com ele. Nada acontece. Com cuidado, apertou o corpinho quase inerte contra o coração, enquanto lhe dizia palavras doces. Ela fica assim, longo tempo imobilizada, os olhos fechados. Uma força espantosa emana de seu corpo frágil.

A seguir, lentamente, suas mãos começam a pegar o bebê. Sem preguiça, ela o massageia da cabeça aos pés, numa mistura perfeitamente dosada de força e delicadeza. Senta a criança no colo, faz cavalinho. Naquele momento, o ar grave do bebê, aos poucos, vai se anuviando.
Então, na nossa presença, um milagre se produziu. O olhar da criança começou a clarear, a se encher de luz. O pequenino ser, que estava ausente, de repente se torna presente. E, docemente, um sorriso aparece, acompanhado de pequenos gritos de alegria, até se transformar numa cascata de risos. O bebê havia escolhido viver. Seu riso testemunhava que o amor é a única razão que dá sentido a uma existência. 

A despeito dos cuidados praticados, não se conseguiu resgatar aquelas crianças. Elas cresceram na rua, na violência, na miséria. Daniele, ao completar quatorze anos, morreu na Av. Conselheiro Aguiar, no bairro de Boa Viagem, no Recife, numa briga de gangues, atingida por uma pedrada, desferida pelos próprios meninos. 

O Rotary Club do Recife – Boa Viagem, organizou então, projetos de assistência materno infantil para gestantes jovens, utilizando os Subsídios Equivalentes da Fundação Rotária. Organizou, em parceria com outros dois Rotary Clubs, grupos de trinta jovens, em período inicial de gravidez e, durante seis a oito meses, uma vez por semana, facilitadores, pedagogos, médicos, psicólogos, ministravam palestras sobre higiene, prevenção de doenças, nutrição, cuidados com o bebê, culminando com a doação do enxoval para o primeiro ano de vida.

Mas as valas negras, continuam lá até hoje, ameaçadoras, há mais de 50 anos.

Mas, o que é o "sentido da vida"? 
A questão é que o sentido da vida é apanágio dos ricos. Somente quem não tém que lutar pela sobrevivência, são quem se questiona sobre o sentido da existência. 
Os pobres não se questionam sobre o sentido da vida. Eles tentam simplesmente sobreviver a cada dia.  
O que os ajuda, tanto quanto a alimentação que buscam diariamente, são os laços familiares, amigáveis, tribais, comunitários.  
O homem não pode viver sem laços afetivos no sentido mais amplo do termo. Se ninguém o olha de modo especial, não o toca, nem se interessa por ele, ele morre.  
O que da sentido à vida, sejam ricos ou pobres, ontem como hoje, aqui ou algures, é o amor.  
A vida do é viável porque alguém, pelo menos uma vez, nos olhou com amor.  

Sem dúvida, esse foi o meu terceiro Momento Rotary.

  
MEU QUARTO MOMENTO ROTARY

Da Indiferença à Solidariedade

Chuvosa manhã de inverno no Recife. Como de hábito, saio de casa às seis para curtir uma corrida no calçadão à beira mar. Nada de sol no horizonte, nada de azul no céu encoberto de hoje. As águas prateadas parecem mais agitadas.

A pista de Cooper já está bem movimentada. As pessoas se exercitam antes das atividades diárias. O CRI – Clube dos Rapazes Inocentes, idade mínima 70 anos, bate papo, de molho na piscina formada pelos arrecifes. A disciplinada turma dos safenados caminha alegremente aos grupos de dois ou três. Os marombeiros malham em aparelhos colocados pela prefeitura junto à pista. Há os que correm, há os que andam, há os que apenas contemplam a natureza, todos adeptos do estilo de vida saudável.

Enquanto corro, medito. Tento completar os dez quilômetros perfazendo meia hora em cada sentido.
Na ida, passo por um corpo inanimado, encolhido ao pé de um depósito de lixo. Um mendigo jaz inerte, ao lado de algumas latas. Um pequeno cão o olha fixamente. Deitado, com a cabeça sobre as patas dianteiras, traz o mesmo semblante de sofrimento.

Todos os adeptos do jogging matinal passam sem tomar conhecimento daquele ser humano. Quem seria? Há quanto tempo estaria ali? A indiferença é total. Pode até estar morto, ou quase. Continuo a correr, vou me afastando. Não saberia mesmo o que fazer.

Lembro-me da parábola do Bom Samaritano, Evangelho de São Lucas, cap X. Somos iguais aos seminaristas, ao padre, ao levita: atravessamos a rua, indiferentes ao próximo. Afinal, temos nossas metas a cumprir. Nossos caminhos de hoje estão traçados. Os encontros, a família, o trabalho, a escola, é tudo tão importante, não há espaços para imprevistos. Sobretudo quando o imprevisto é um pobre qualquer, que não nos diz respeito. Não é conosco. Para isso tem as autoridades.

Completada a metade do percurso, volto pelo mesmo caminho. No ponto em que estava o mendigo, vejo uma jovem agachada tentando falar-lhe. Curioso, me aproximo. A jovem lhe pergunta com doçura: Senhor, o que tem? Posso ajuda-lo? Após alguns instantes, o corpo murmura, sem abrir os olhos: Não tenho forças, não consigo comer, sinto dores.

O homem exala cheiro de cachaça. Penso no efeito devastador do álcool no estômago vazio. Outras pessoas se aproximam. Um pequeno grupo se forma em torno do mendigo. Um dos marombeiros, de seu celular, chama o 192 - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU. Enquanto isso a jovem conversa com ele. 
A ambulância chega em vinte minutos. O pequeno vira lata parece entender. Late, balança a cauda, se agita, consegue embarcar. O grupo se dispersa.

Da indiferença à solidariedade, assim é a natureza humana. Basta uma pequena iniciativa para que as pessoas despertem.
Continuo a corrida, sinto-me mais leve. Acredito no ser humano. Penso na filosofia do Rotary, no legado de Paul Harris, na jovem que ajudou o mendigo.  Da mesma forma que o Bom Samaritano, ela vive e pratica o sentimento de DAR DE SI ANTES DE PENSAR EM SI.  

Esse foi o meu quarto Momento Rotary.

Tenho mais para contar.
Aguardem.

Um comentário:

Ronaldo Campos Carneiro disse...

Caro amigo Alberto - excelente o estimulo aos companheiros para divulgar cenas da vida que foram marcantes. Sobre seu primeiro momento Rotary, ronda na fabrica da FNM, cena choca a todos aqueles sensiveis com a condição humana. Por volta daquela epoca eu fazia estagio de engenharia mecanica na FNM e sua descrição levou minha memoria para aquela epoca. Voce é dotado de profundo sentimento humano, o que nos coloca em sintonia. Cumprimento-o por isto. Forte abraço. Ronaldo Carneiro