Transcrevo abaixo, o poema Moradia, de Michel Quoist, extraído do livro Poemas para Rezar, escrito em 1954, com textos dos jornais da época:
Moradia
Michel Quoist - 1954
Sei que naquele único quarto, mistura-se hálito emprestado de treze pessoas amontoadas.
Sei que u’a mãe pendura ao teto a mesa e as cadeiras para estender as enxergas no chão.
Sei que os ratos acorrem para roer as cascas de pão velho e morder os bebês.
Sei que o homem se levanta para abrir o encerado por cima da cama encharcada de seus quatro filhos.
Sei que a mãe fica em pé a noite inteira porque só há lugar para uma cama e as duas crianças estão doentes.
Sei que um bêbado vomita sobre a criança que dorme ao seu lado.
Sei que o rapaz foge sozinho dentro da noite porque não agüenta mais.
Sei que os homens brigam por causa das mulheres, pois são três casais no mesmo sótão.
Sei que o irmão gera um filho com a irmã, ele tem vinte anos, ela dezesseis e dormem os dois, corpo a corpo no mesmo colchão.
Sei que a esposa rejeita o esposo pois não há mais lugar para outro filho.
Sei que um menino agoniza, mansamente, preparando-se para se reunir lá no céu a seus quatro irmãozinhos.
Sei,
Sei mais ainda,
Sei centenas de outros fatos, enquanto em paz eu ia dormir entre meus lençóis branquinhos.
HABITAÇÃO
Um dos grandes problemas brasileiros
Alberto Bittencourt - outubro de 2005
O problema da habitação é trágico em todas as
cidades do mundo. O Brasil nos últimos quarenta anos aumentou sua população em
mais de 100 milhões de habitantes. Em 1964 éramos 80 milhões, hoje, 2005, somos mais
de 185 milhões.
Em 1964, antes da revolução, havia um movimento pela reforma
agrária, era o SUPRA do governo Jango – Superintendência da Reforma Agrária.
Por ser considerado um valhacouto de políticos corruptos e subversivos, o
movimento foi abortado pelos governos militares.
Criaram o INCRA - Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária, apenas uma autarquia, empregando muitos coronéis da reserva.
Perguntei a um deles o que ele fazia ali e ele me respondeu: Estamos cadastrando as terras.
E ficaram
anos e anos apenas cadastrando as terras, até que surgiu, com a
redemocratização, o MST, com as invasões de terras produtivas e improdutivas. O
movimento pegou todo mundo de surpresa, ninguém imaginava que houvesse tantos
sem-terras no interior, sim, porque nesses quarenta ou cinqüenta anos, a urbanização
do país foi de tal ordem, de tal intensidade, que mais de 80% da população
rural migrou para as cidades, tornou-se urbana.
Com o apoio da turma de direitos humanos, de
políticos, de ONGs, de sindicatos, o MST se organizou. Constituiu-se num poder
paralelo, à margem da Lei e da Ordem, não respeita a constituição e sequer
considera o mais sagrado de todos os direitos do regime capitalista: o da
propriedade privada. O MST age ao arrepio da Lei. Arregimenta para suas
fileiras bandos de desempregados e marginais na periferia das cidades. Ao
invadirem uma propriedade, nada respeitam. Destroem, botam fogo, quebram o que
vêem pela frente, não sobram nem as máquinas e equipamentos agrícolas. Matam
animais da fazenda para se banquetearem. De tempos em tempos, vemos nos jornais
barbaridades praticadas por estes vândalos. Será o império da desordem, da
anarquia, ou será a tão necessária e decantada distribuição de renda? Ou talvez os dois.
As megalópoles brasileiras incharam, se
multiplicaram. A palavra favela, um termo genuinamente
brasileiro, foi exportado para o mundo inteiro, Paris, New York, Moscou. Consta
nos dicionários franceses. Virou um termo de conotação pejorativa no
Brasil, denigre as pessoas que nela habitam. É politicamente mais correto
chamá-las de "Comunidades". É o que dizem os assistentes sociais, antropólogos
e sociólogos.
A Comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro,
tem mais de 150 mil habitantes. Quem vai de São Conrado para o Leblon, antes de
entrar no túnel Dois Irmãos, ao olhar para cima, vê a encosta do morro
totalmente encoberta por milhares de moradias. Empilhadas na encosta, separadas
por vielas estreitas e escadas, são, em sua em sua totalidade, erguidas em
alvenaria, algumas até com reboco. Muitas têm mais de um pavimento, vemos até
prédios de cinco andares por lá. Será que tudo isto pode ser chamado de favela?
Não mais. É uma comunidade onde se amontoam 150 mil pessoas, provida de luz
elétrica, mas sem coleta de lixo e nem recolhimento de esgoto. No carnaval,
esse povo se organiza e consegue fazer um dos mais belos e ricos desfiles de
escolas de samba. Não fosse a chuva que desabou em cima, bem na hora em que a
escola passou e alguns problemas com carros alegóricos, extremamente complexos,
que emperraram, certamente teria obtido uma das primeiras colocações.
Esse mesmo povo convive, quase que
diariamente, com o crime organizado, as guerras entre quadrilhas, as disputas
por território, que deixam vítimas inocentes, sem escolher idade e uma
população assustada que se submete ao poder paralelo do traficante. Terra de
ninguém, onde a polícia não entra, a lei é do mais forte. Manda quem pode,
obedece quem tem juízo. Não pensem que este caos começou há pouco. Com a
sucessão de políticos demagogos, que visam unicamente à eleição, a partir dos
anos cinqüenta, iniciando com a era Getúlio Vargas e chegando até nossos dias,
instala-se uma situação de desmando e pouco caso para com a lei, a ordem e,
principalmente com o cidadão e eleitor. Cria-se um vazio de liderança nessas
comunidades adensadas que propiciou a ocupação deste espaço pela força do tráfico
que encontrou um ótimo abrigo, longe das autoridades e perto dos usuários.
Essas comunidades como a Rocinha, há muito já
deixaram de ser favelas. Ali circula dinheiro, elevando a renda de parte dessa
população, que passa, então, de pobres, a gente abastada ou remediada. Favelas
são como algumas que conheço aqui no Recife: a do Bode, no bairro do Pina;
Entra a Pulso, em Boa Viagem; a do Coque e a da Maré e tantas outras. As casas
sobre palafitas, barracos de madeira, papelão, plástico, chão de terra, em meio
ao esgoto a céu aberto e as pessoas se apertando dentro de um vão infecto e
insalubre.
Só para sentirmos no peito que o tempo passa
e nada muda, demonstrando assim que não há o menor interesse, por parte de
nossos políticos ou governantes, pois esses eleitores que não vivem, apenas
existem, como animais, são manobrados por eles que se aproveitam de suas
ignorâncias.
x-x-x-x-x
2 comentários:
Meu caro Governador Alberto,
É sempre bom ler os seus textos, fruto de uma inteligência rara, de observador fiel e um rotariano exemplar. Ainda guardamos em Montes Claros as boas lembranças da sua passagem pelo nosso Forum Distrital de Imagem Pública.
Meu cordial abraço
Alexandre Pires Ramos
Governador Distrito 4760 16/17
DESALENTO
Dois livros de Michel Quoist foram livros de cabeceira em minha adolescência. Da Helena também:
1- Poemas para rezar
2- Construir o Homem e o Mundo.
Ainda os tenho em minha biblioteca.
Em 1954, éramos dois bilhões de habitantes no mundo. Hoje somos mais de sete bilhões. Quem mais cresceu foi justamente essa população pobre, desassistida, habitantes de cortiços e favelas. Com a pobreza extrema, multiplicou-se a fome, a violência, a falta moradia digna e de saúde, o analfabetismo funcional e o que é pior - o desalento daqueles que não estudam e nem trabalham.
OBRIGADO POR SEU COMENTÁRIO, QUERIDA PRIMA ANA.
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