PEQUENOS GESTOS - GRANDES MUDANÇAS
Alberto Bittencourt
O velho homem vivia enclausurado. Dorso encurvado, faces encarquilhadas, cabelos em desalinho, roupas surradas, mal postas, nada fazia lembrar o empresário dos colégios, postos de combustíveis, concessionárias de autos.
A debacle foi manchete em todos os jornais. Empregados e credores se disputavam, na esperança de pegar um naco do que lhes era devido. Triste fim do homem de negócios, no exato momento em que aspirava ao repouso dos aposentados.
Sentia medo, depressão, angústia. Para ele, os dias tinham a escuridão das tormentas que lhe fustigavam a alma.
A esposa, companheira de tantos anos, fora embora, tangida pela penúria e pelas incertezas. Os dois filhos se distanciaram, cada qual a cuidar da própria vida. O velho colhia o que plantou por ter sido marido e pai ausentes.
Certa manhã, ao tomar café, a campainha soa. O velho estremece. Quem poderia ser? Ele pousa a xícara sobre a mesa e, com os dentes crispados, vai atender. À porta entreaberta, depara-se com um homem, idoso, de expressão familiar, embora não o reconhecesse de pronto. Ao topar com o olhar e o sorriso, identificou o vizinho do mesmo andar.
Jamais haviam se falado, apenas de quando em quando se cruzavam nos corredores. Nem mesmo se cumprimentavam. Agora ele estava ali, sorridente, a estender uma pequena cesta.
Senhor, desculpe incomodar, mas há pouco ganhei esta cesta com frutas. Eu não poderia comer tudo sozinho e venho perguntar se aceitaria dividir comigo. Elas estão no ponto, infelizmente algumas um pouco machucadas pelo transporte.
Quis agradecer, mas o visitante, esboçando um gesto de deixa prá lá, se retira rapidamente.
Lentamente o velho fecha a porta e permanece imóvel, com a cesta nas mãos, enquanto escuta os passos do vizinho a se afastar.
A seguir, com as mãos trêmulas, coloca a cesta sobre a mesa, debaixo da luz. Peras verdejantes, maçãs vermelhas, pêssegos amarelos, estão meticulosamente arranjados em duas fileiras, sobre um guardanapo de linho branco.
O velho nem mesmo pensa nas frutas suculentas. Sentado diante do inesperado presente, ele se emociona ao lembrar da mão estendida, do sorriso amigo.
Então, num repente se levanta: Vou esvaziar e devolver a cesta.
Naquele momento um céu azul afastou as nuvens negras de seus pensamentos. O dia se abriu radioso. O sol voltou a brilhar
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