ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

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domingo, 12 de agosto de 2018

COLO PATERNO











COLO PATERNO

Alberto Bittencourt
(baseado em fato real)





Todos os dias Patrícia chega em casa ao cair da noite. Larga a bolsa num canto, chuta os sapatos, deixa o casaco de lado e, apressada, vai direto para o quarto da filha. Evita fazer ruído para não acordá-la. 


Na casinha do Ibura, bairro popular do Recife, moram avó, filha e neta. O espaço, embora pequeno, é limpo e higiênico. Tem dois quartos, banheiro sem porta, isolado por cortina. A sala serve também de cozinha. O piso é de cimento desgastado, no teto se vê a telha vã e nas paredes o tijolo nu. 

Patrícia trabalha o dia inteiro como guardete numa estação do metrô. Consciente de suas responsabilidades, nunca afrouxa a vigilância. Ajuda, orienta, intervém quando há conflito, procura manter a ordem, com energia se faz respeitar. Depois, pena duas horas de ônibus até chegar em casa.

Nesta semana de agosto, a proximidade do dia dos pais lhe traz certa amargura, como um aperto no peito. A menina Sarinha, de sete anos, não sabe o que é ter pai. Nunca teve, nem mesmo chegou a conhecer o que lhe deu a vida. 

Patrícia não consegue controlar as lágrimas, chora sempre ao se lembrar daquele domingo, quando Sarinha, então com apenas dois anos, veio correndo em sua direção, a chamá-la ansiosa: 

Mamãe! Mamãe! 
O bracinho estendido trazia na mão uma nota amarfanhada de dois reais.
Toma, mamãe. Compra um pai pra mim.

O olhar suplicante refletia aflição de algo muito desejado. A princípio, Patrícia, cansada do dia estafante, não percebeu. 
O que é isso minha filha, já devia estar dormindo. 
Em seguida, ao se dar conta, abraçou a filha aos prantos. Pensou:
Como pode ter tanta sensibilidade? 

Aquele pingo de gente, os cabelos pretos e lisos, a tez de uma alvura imaculada, as feições delicadas e meigas, resistia ao sono, à espera da mãe. 

Não queria roupas, nem bonecas, nem brinquedos de qualquer espécie. Queria o bem mais precioso, de que, na tenra idade, já sentia imensa falta. Alguém que ela pudesse tocar, beijar, entregar-se, ser levantada e aparada. Queria sentir-se segura no aconchego do colo paterno. O dinheiro, encontrado num canto qualquer, era uma esperança. 

Toma, mamãe. Compra um pai pra mim!

Na inocência de seus dois aninhos, Sarinha talvez não compreendesse o real significado de ter pai. Muito mais do que a simples presença física masculina, o que ela queria era um colo para deitar a cabeça e dormir, uma mão para segurar e passear, um porto seguro para recolher seu pranto, um Céu verdadeiro onde pudesse receber carinho, afago. 

Hoje, Sarinha, aos sete anos pergunta pelo pai que nunca teve. 
Ele foi embora, filhinha. 
Ele não gosta da gente?
Gosta sim, mas ele mora muito longe. Não dá para nos visitar.
Escreve pra ele, mamãe. Telefona.

Sarinha é fruto do primeiro relacionamento de Patrícia, ainda adolescente. Muito jovem, imatura, a gravidez chegou precoce, inesperada. Caiu como uma bomba. Foi criada pela avó. 

Desde então, Patrícia só teve relacionamentos fugazes, amores fugidios. No momento, está namorando o supervisor da empresa em que trabalha. Ele é jovem, educado, solteiro. Parece sincero ao declarar seu amor pelas duas, mãe e filha. 


Patrícia ora a Deus:

Perdão, Senhor! Que posso eu pedir?
Lança suas bênçãos misericordiosas sobre nós.
Que minha filha não seja órfã de pai vivo,
Dai-lhe o verdadeiro Céu do Teu carinho
Que fulge entre os lábios de quem canta:
Filhinha dorme, dorme filhinha!








11 comentários:

Michaelson disse...

infelizmente essa é uma realidade muito comum na nossa sociedade...mães solteiras, onde pais abortam seus filhos, deixando-as sobrecarregadas no exercício de inúmeros afazeres...contribuindo, também, no vazio deixado nos corações desses pequenos(as) abandonados(as) possibilitando uma angústia latente causador de tantos sofrimentos difíceis de reajustes ou reparos.

Michaelson disse...

infelizmente essa é uma realidade muito comum na nossa sociedade...mães solteiras, onde pais abortam seus filhos, deixando-as sobrecarregadas no exercício de inúmeros afazeres...contribuindo, também, no vazio deixado nos corações desses pequenos(as) abandonados(as) possibilitando uma angústia latente causador de tantos sofrimentos difíceis de reajustes ou reparos.

João Miguel disse...

Não concebo um pai unicamente reprodutor.
Pai é carinho, é amor, é proteção, é participação, é caminhar juntos, é levar nos braços, nas costas e todo o tempo na cabeça. Filho não é pra ser esquecido, filho é pra ser orientado e amado até o fim de nossos dias. Ser reprodutor não é ser homem, pai muito menos.

Unknown disse...

Parabéns, amigo. Muito bem escrita a verdade da nossa sofrida gente.

Unknown disse...

Parabéns pelo texto, amigo, de grande sensibilidade e beleza, mesmo diante de uma realidade tão triste.

Alberto Bittencourt disse...

Comungo com seu pensamento, caro amigo JOÃO MIGUEL. Obrigado
Abraços Alberto Bittencourt

Alberto Bittencourt disse...

Obrigado, cara amiga NAYANNA FRANÇA pelo seu comentário, que muito me sensibiliza e estimula a continuar.
Abraços.
Alberto Bittencourt

Alberto Bittencourt disse...

COMENTÁRIO DE CARIBÉ, RC RECIFE -BOA VISTA em 25 de julho de 2020:
Belo texto. Perfeito.
No reino animal, o homem é um dos poucos seres viventes que acompanha a cria do nascimento ao final da vida.
Imagine-se a desventura de quem nasce sem pai.
Talvez perca a metade de presente divino da vida.
Parabéns, Alberto.

Agapeano Alcântara agosto de 2022 disse...

Emocionante! Provoca emoções guardadas com carinho no baú de nosso ser. Que o bom Deus proteja criaturas tão carentes e necessitadas.

JS TECNOLOGIA & COACHING disse...

Belo texto que retrata nossa realidade. Que essa realidade seja transformada e os que tem a honra de ser pai, possam agir como um que ama, cuida e protege

Ronaldo Campos Carneiro disse...

Alberto como sempre vc tem uma incrível sensibilidade social - dramas da vida moderna. Meus cumprimentos. Ronaldo Carneiro