ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

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ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, conferencista, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

ETICA E VOLUNTARIADO


ÉTICA E VOLUNTARIADO
Alberto  Bittencourt





Meu amigo Sergio integra uma dessas associações humanitárias que, todas as noites, distribui uma tigela de sopa quente e nutritiva a moradores de rua. Concentra suas atividades na rua do Imperador, uma artéria de grande movimento no centro do Recife, bem perto da majestosa e imperial sede do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Ali, cerca de 40 pessoas, entre idosos e crianças, há décadas vive nas calçadas. Moram debaixo das marquises, dormem na frieza do cimento forrado com um pedaços de papelão. Tiram o sustento como flanelinhas, convivem com a sujeira, com a falta de higiene, ficam ao relento, sem a menor proteção. Mas não querem sair dessa situação. 

Há alguns anos, a ABCC- Associação Beneficente Criança Cidadã, fundada pelo desembargador Nildo Nery dos Santos no início do ano 2000, numa iniciativa louvável, conseguiu removê-los. Numa área cedida pela prefeitura, fez construir cerca de 20 casas que foram doadas para aquelas famílias, na esperança de lhes dar condições dignas de existência. Junto com as casas, as famílias receberam material de higiene, alimentação, instrução, cuidados médicos e tiveram os filhos matriculados na escola. A Orquestra Criança Cidadã dos Meninos do Coque, que encanta o mundo, é cria da ABCC.

O sonho de ver a rua do Imperador sem miséria, contudo, durou pouco. Novas famílias logo se instalaram nas mesmas calçadas.

Dia desses, encontrei com Sergio. Como sempre, ele apregoou os benefícios do que considera ser sua missão de alimentar os pobres. 

_ Você não faz ideia de como nos faz verdadeiramente bem, trabalhar desinteressadamente em favor dos mais necessitados. Doar uma parcela de nosso tempo, dinheiro e energia para aquelas pessoas, remoça, dá mais disposição, mais alegria na vida. 

Sergio é adepto de filosofias orientais. Ele acredita que os atos de caridade geram créditos que um dia nos libertarão da roda de nascimentos e mortes, quando então teremos alcançado o plano espiritual mais elevado. 

_ Mas é claro, meu amigo, respondi ao Sergio. É impossível doar sem receber algo em troca, mesmo quando se trata dos pobres. Afinal, não está na Oração de São Francisco que é dando que se recebe? 

A frase causou impacto em Sergio. 

_ Você está enganado, disse ele. Meu objetivo é aliviar o sofrimento dessas pessoas. A caridade é um fim em si. A recompensa, nesta ou em outra vida, é consequência. 

_ Pois vou lhe mostrar que não é possível dar sem receber nada em troca, disse eu. Costumo doar roupas velhas, objetos usados que não me servem mais, para o bazar da irmã Anatília. Ela dirige uma instituição denominada CRVV- Centro de Revitalização e Valorização da Vida, no bairro do Pina, que cuida de 150 crianças, em horário complementar ao da escola. O bazar revende de tudo, a um preço quase simbólico. Cada cabide de roupa, por exemplo, custa R$ 3,00 em média. O dinheiro apurado paga a funcionária encarregada e ainda ajuda no custeio da instituição. 

_ Em casa, vez por outra, eu e Helena fazemos uma limpeza em nossos armários, em benefício do CRVV. Nenhuma daquelas crianças sabe que somos nós os benfeitores. Nada recebemos em troca das doações.

Sergio retrucou:

_ Bem, qualquer ação tem que ser totalmente anônima, para não correr o risco de gerar agradecimentos, de se tornar um favor. Ao me contar isso, você se tornou credor de minha admiração. Receba os meus parabéns e minhas congratulações, em troca de sua doação desinteressada. 

A pequena história mostra como são tênues os limites éticos do voluntariado.

Eu e Helena integramos o Rotary International, a maior rede de voluntários do mundo. Pertencemos ao Rotary Club do Recife-Boa Viagem. Tivemos oportunidade de conhecer o IAVE – International Association for Volunteer Effort ao participarmos como convidados de uma conferência mundial realizada no ano de 1998 na cidade de Edmonton, Canada, a convite do Rotary Club de Edmonton, parceiro internacional do nosso clube em diversos projetos humanitários. 

O IAVE foi fundado no ano de 1970, por um grupo de idealistas que encontrou no serviço voluntário um meio de conectar nações e culturas. A organização cresceu e hoje possui representações em mais de 70 países, a maior parte em desenvolvimento. O objetivo único do IAVE é promover, fortalecer e celebrar o crescimento do voluntariado no mundo inteiro. As conferências mundiais ocorrem de dois em dois anos.

A partir daí, eu e Helena temos acompanhado diversos movimentos internacionais de voluntários que congregam pessoas interessadas nos trabalhos comunitários. 

O Canadá é seguramente o país mais desenvolvido no mundo nesse campo. Lá, 80% de sua população desempenha algum tipo de trabalho voluntário. 

Outro exemplo são os Departamentos de Bombeiros americanos. Há cidades dos Estados Unidos em que 100% do efetivo é voluntário, outras, em que 100% é profissional e há as que adotam um sistema misto.

Os firefighters voluntários nada recebem de remuneração. Têm alto senso de responsabilidade, encaram o trabalho com a mesma dedicação dos servidores profissionais. Desempenham sua missão com o maior afinco, tanto no que diz respeito ao cumprimento do horário, quanto no zelo pelos materiais, pois operam sofisticadas e complexas viaturas e equipamentos com a maior seriedade.

Em todos os museus e centros históricos americanos que visitamos, havia sempre a presença marcante de voluntários, geralmente pessoas idosas, aposentadas, que trabalhavam como guias ou na administração.

Aprendemos que a palavra voluntário tem uma conotação, um peso, uma responsabilidade enorme.

Aprendemos que a oportunidade de se dizer não, é apenas quando se é convidado. Uma vez aceito o convite para qualquer missão, para qualquer função, para membro de qualquer organização, então tudo passa a ser obrigação. A partir desse momento, o encargo, a missão, o trabalho deixa de ser voluntário e passa a ser um compromisso assumido. O voluntário cumpre horários com seriedade, como qualquer funcionário que tenha de bater o ponto. 

No Brasil, a cultura do voluntariado ainda é incipiente. Muitas vezes o voluntário brasileiro dá a impressão de estar prestando um favor. Não quer ter obrigação de horário, compromisso de tempo, acha que pode trabalhar quando quiser e bem entender. É comum a figura do voluntário que entope a função. Sabem o que é na linguagem popular, entupir uma função? Pois o entupidor de função é a pessoa que aceita a missão, aceita o encargo, porém a partir daí não faz mais nada. Não faz e nem deixa fazer. Tampouco se pode recorrer a outra pessoa para ajudar, pois ele está lá entupindo a função, com os braços cruzados, fazendo resistência passiva, sem cumprir sua obrigação de voluntário. O que ele almeja é o reconhecimento, o status, os elogios e as homenagens. Para ele, o egocentrismo e a vaidade estão acima de tudo. 

A ONU decretou o ano de 2001 como o Ano Internacional do Voluntário e adotou a Declaração Universal do Voluntariado, uma espécie de Código de Ética que estabelece uma série de deveres e de procedimentos do voluntário para com: a sociedade, o meio ambiente, o público alvo, os outros voluntários, a própria entidade e em catástrofes naturais. 

A Declaração Universal do Voluntariado visa estabelecer uma cultura do voluntariado, baseada na formação técnica indispensável e, principalmente, na ética, para dar continuidade e sustentabilidade às ações voluntárias. 

O voluntariado preenche a lacuna deixada pelo Estado nas questões sociais. Integra as chamadas organizações do terceiro setor. 

Podemos dizer que, se não fossem os voluntários, o mundo seria um verdadeiro caos.


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Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns Alberto
Bela mensagem, grandes exemplos. O pouco que se faz é muito para quem nada tem. Que o alerta de sua mensagem possa despertar a tantos para o verdadeiro trabalho voluntário. Que a luz de sua mensagem ilumine e abençoe o caminho de todos nós. Forte e fraterno abraço para você e Helena. Do amigo e companheiro Arildo