DA INDIFERENÇA À SOLIDARIEDADE
Alberto Bittencourt
Chuvosa manhã de inverno no Recife. Como de hábito, saio de casa às seis para curtir uma corrida no calçadão à beira mar. Nada de sol no horizonte, nada de azul no céu encoberto de hoje. As águas prateadas parecem mais agitadas que o normal.
A pista de Cooper já está bem movimentada. As pessoas se exercitam antes
das atividades do dia-a-dia. O CRI – Clube dos Rapazes Inocentes, idade mínima
70 anos, bate papo, de molho na piscina formada pelos arrecifes, a salvo dos
tubarões. A disciplinada turma dos safenados caminha alegremente aos grupos de
dois ou três. Os marombeiros malham em
aparelhos colocados pela prefeitura junto à pista. Há os que correm, há
os que andam, há os que marcham aceleradamente, há os que apenas contemplam a
natureza, todos adeptos do estilo de vida saudável.
Enquanto corro, medito. Tento completar os dez quilômetros perfazendo
meia hora em cada sentido.
Na ida, passo por um corpo inanimado, encolhido ao pé de um depósito de
lixo. Um mendigo jaz inerte no chão, ao lado de algumas latas. Um pequeno
vira-lata o olha fixamente. Deitado, com a cabeça apoiada sobre as patas
dianteiras, traz no semblante o sofrimento do dono.
Todos os adeptos do jogging matinal passam sem tomar conhecimento
daquele ser humano. Quem seria? Há quanto tempo estaria ali? A indiferença é
total. Pode até estar morto, ou quase. Continuo a correr, vou me afastando. Não
saberia mesmo o que fazer.
Lembro-me da parábola do Bom Samaritano, Evangelho de São Lucas, cap X.
Somos iguais aos seminaristas, ao padre, ao levita (que cuida das sinagogas):
atravessamos a rua, indiferentes ao próximo. Afinal, temos nossas metas a
cumprir. Nossos caminhos de hoje estão traçados. Os encontros, a família, o
trabalho, a escola, é tudo tão importante, não há espaços para imprevistos.
Sobretudo quando o imprevisto é um pobre qualquer, que não nos diz respeito. Não
é conosco. Para isso tem as autoridades.
Completada a metade do percurso, volto pelo mesmo caminho. No ponto em
que estava o mendigo, vejo uma jovem agachada tentando falar-lhe. Curioso, me aproximo e paro. A jovem lhe pergunta com doçura: Senhor,
o que tem? Posso ajuda-lo? Após alguns instantes, o corpo murmura, sem abrir os
olhos: Não tenho forças, não consigo comer, sinto dores.
O homem exala cheiro de cachaça. Penso no efeito devastador do álcool no estômago vazio. Outras pessoas se aproximam. Um pequeno grupo se forma em torno do mendigo. Alguém diz: Precisamos leva-lo a um hospital. Outro: Chamem o Corpo de Bombeiros! Um dos marombeiros, de seu celular, chama o 192 - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU. Enquanto isso alguém lhe oferece um cigarro. A jovem conversa com ele.
O homem exala cheiro de cachaça. Penso no efeito devastador do álcool no estômago vazio. Outras pessoas se aproximam. Um pequeno grupo se forma em torno do mendigo. Alguém diz: Precisamos leva-lo a um hospital. Outro: Chamem o Corpo de Bombeiros! Um dos marombeiros, de seu celular, chama o 192 - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU. Enquanto isso alguém lhe oferece um cigarro. A jovem conversa com ele.
A ambulância chega em vinte minutos. O pequeno vira lata parece entender.
Late, balança a cauda, se agita, consegue embarcar. O grupo se
dispersa.
Da indiferença à solidariedade, assim é a natureza humana. Basta uma
pequena iniciativa para que as pessoas despertem.
Continuo a corrida, sinto-me mais leve agora. Acredito no ser humano.
Penso na filosofia do Rotary, no legado de Paul Harris, na jovem que ajudou o
mendigo. Da mesma forma que o Bom
Samaritano, ela vive e pratica o sentimento de DAR DE SI ANTES DE PENSAR EM
SI.
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