quarta-feira, 5 de março de 2014

DEPOIS DAS CINZAS

DEPOIS DAS CINZAS
Alberto Bittencourt









DEPOIS DAS CINZAS
Alberto Bittencourt




Natacha e Viviane desde pequenas andavam sempre juntas. Comungavam dos mesmos gostos e esperanças, das mesmas manias e pensamentos. Em casa, na escola, nos estudos, nas festas, nas brincadeiras, não se via uma sem a outra, não se falava de uma, sem se falar da outra. 

No colégio, sentavam lado a lado. Era comum, nas provas, os professores desconfiarem: Teriam filado? Precisavam de muitos argumentos para convencê-los do contrário. Nas traquinagens, sempre cúmplices. 

Nesse sábado de carnaval, Tacha e Vivi perambulavam de mãos dadas pelo centro do Recife. Nas ruas apinhadas, o Galo da Madrugada era uma mistura de suor, cerveja e frevo. No frenesi dos trios elétricos, pulavam, dançavam, cantavam, gritavam. Ir em casa, só para dormir. A vida ficara para trás.

O domingo as encontrou nas ladeiras de Olinda, nos maracatus, nos blocos de rua, no Elefante e Pitombeira. Tacha e Vivi, no esplendor dos 16 anos a se descobrir e descobrir um mundo de fantasias, de alegria, para elas real. Depois no Recife Antigo, de palco em palco, arrastadas pelo frevo, a ferver até o sol raiar. Sabiam que um dia o carnaval acabaria e a vida voltaria ao normal.

As duas jovens tipificavam a mulher atual, anônima, estudando, trabalhando, na busca de se encontrar, se superar. Tacha, um pouco mais rechonchuda, morena de sol, cabelos castanhos, compridos e lisos. Vivi mais clara e mais magra, pouco mais alta, olhar vivo, inquieto, curioso, a querer descobrir o lado oculto das aparências. As famílias tinham ido para a praia e as deixaram soltas. 

Tacha e Vivi tinham tudo, do celular topo de linha, ao computador de última geração. Nada lhes faltava, não tinham do quê reclamar. A não ser aquela vontade imensa de ser querida, de se sentir gente, de ser ouvida e considerada. Não encontrando em casa, procuravam nas ruas, nas festas, nas baladas.

Embora fossem bastante assediadas pela rapaziada, não curtiam namorados. Elas se bastavam. 

Os dias de carnaval passaram rápidos. Quarta-feira de cinzas, depois o vazio de sempre, a rotina entediante, as cobranças. 

De repente fotos íntimas das duas vazaram na internet. Humilhadas, não sabiam o quê fazer. A pecha estava lançada. Só queriam fugir, se esconder. Sentiam vergonha das famílias e dos amigos.

Tomadas de emoção, subiram ao terraço do prédio, no 19º andar. Um pacto silencioso se estabelecera: continuar no mundo dos sonhos, sem deveres, nem reprimendas. Continuar no mundo da liberdade, poder voar, ser livre para sempre, enfim. 

De mãos dadas, pularam.

Para as duas famílias o choque foi tremendo. Duas jovens, bonitas, na flor da vida, tendo tudo o que queriam, expostas desse jeito, para quê? Nas sacolas, deixadas no terraço, encontraram bilhetes com pedidos de perdão e declarações de amor aos pais. E mais: pediam para serem cremadas, as cinzas misturadas e lançadas por aí. 

Assim, quando as pessoas sentissem o afago do vento nos cabelos, o beijo da brisa no rosto, seriam elas, Natacha e Viviane, a lhes dar o carinho, o amor que nunca receberam.





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8 comentários:

  1. LUCIA VASCONCELOS LOPES2 de outubro de 2012 às 23:20

    Olá Bittencourt,
    Parabéns pelo interessante conto. Com mais alguns já pode publicar um livro. Estaremos no lançamento abraçando o amigo. Com certeza.
    Será que seu irmão (de quem me enviou um artigo) daria autorização para que você me passasse o e-mail dele? Gostei demais do que li escrito por ele. Família inteligente é assim... Fraternos abraços.
    Lúcia.

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  2. Bittencourt
    Gostei do seu conto! Tem escrito muito? Ea família, crescendo?
    Um abraço para a Helena e você,
    Eduardo Azambuja
    03/03/2012


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  3. PEDRO FERNANDES MALTA2 de outubro de 2012 às 23:27

    Estimado Bittencourt
    Parabéns!
    Bom milico, bom engenheiro e bom escritor. O que é que lhe falta fazer mais?
    Fraterno abraço
    Malta
    02/03/12

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  4. Bacana. O ser humano é um ser biopsicosocial. Parabéns pelo conto e obrigado pela lembrança.
    Um abraço.
    Edgard
    02/03/12

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  5. Caro Bitenca
    Vc está me saindo um belo contista. Parabéns!
    É um prazer constatar que apesar dos anos passados, sua mente continua jovem e no pleno exercício da criatividade, tal como era sua característica nos saudosos anos de nossa juventude. Pedimos a Deus que esse belo tempo de felicidade e companheirismo que vc e a Helena vivem no momento, seja regado com muita saúde e paz.
    Um forte abraço do Amarilio e da Tetê para vc e a Helena.
    02/03/12

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  6. Alberto
    Parabéns
    Vai cumprindo o destino, perpetuando-se no que escreve.
    Que bom!
    Um abraço
    Carneiro
    28/02/12

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  7. Parabéns, Alberto!
    Parabéns para você e para todos que "incorporaram" o espírito rotário.
    Texto bem escrito, narrativa sintética, argumentação objetiva, deliciosa mistura de orgulho com humildade.
    Texto motivador.
    Saiba que se por um átimo, você fez alguém sorrir e ficar bem, toda a sua vida terá valido a pena.
    Tenho uma boa notícia para você: seus pecados - todos, apesar de poucos - estão perdoados!
    Daqui para a frente, trabalhe na certeza de que seu entusiasmo e suas obras trouxeram mais BEM que você possa imaginar.
    E o melhor é que elas continuarão crescendo e melhorando a vida de quem necessita.
    Você também. Continuará crescendo!
    Ivan Pípolo
    27/02/12

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  8. HAROLDO BATISTA DE OLIVEIRA2 de outubro de 2012 às 23:37

    Muito bom, posso repassá-lo aos meus grupos???

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Bem vindo ao blog FEIXE DE VARAS.
Coloque seu comentário.
Muito obrigado.
Alberto Bittencourt