ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

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ALBERTO BITTENCOURT - Palestrante, conferencista, motivador, consultor, escritor, biógrafo pessoal

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

ONDE NÃO EXISTE AMANHÃ




ONDE NÃO EXISTE AMANHÃ

Alberto Bitttencourt - 2010, out


Não conheço nada comparável. As casas, de vão único, feitas de restos de madeira e plástico, infectas, promíscuas, se equilibram sobre palafitas fincadas no lodaçal. Não têm água encanada, nem banheiros, nem geladeiras, mas, paradoxalmente, não falta televisão, DVD, ou mesmo vídeo game. 

O lixo se espalha, vindo da maré ou do rio, a prefeitura nunca recolhe. O esgoto está nas portas, no chão, por onde se anda. 

A favela dos Coelhos é apenas uma, entre tantas do Grande Recife. Situa-se no centro, em área nobre, ao lado de edifícios empresariais modernos, perto de hospitais que, como se diz, fazem do Recife o segundo maior pólo médico do país. Aí habita uma população marginalizada, abandonada, refém da droga, do crack, onde adolescentes dos 13 aos 18 anos trabalham como avião.

Ninguém se lembra de construir moradias dignas e humanas para essa gente esquecida. 

Só na catástrofe a solidariedade se manifesta. Quando as enchentes, os deslizamentos ceifam vidas, destroem moradias, todos se mobilizam. A sociedade recolhe doações, o governo começa a construir novas casas, em locais mais seguros, em ritmo eleitoreiro. 

Nem no Rio de Janeiro, onde estão as maiores favelas da América do Sul, subjugadas por traficantes e milícias, a degradação é tamanha. Lá, a maior parte dos barracos é de alvenaria, de tijolo nu, sem revestimento, dizem, para não pagar imposto à prefeitura.

Nessas comunidades o comércio da droga floresce, se desenvolve abertamente, à luz do dia. 

Quando a polícia aparece, com seu aparato de uniformes, viaturas, sirenes, os traficantes se enfiam nas tocas como um bando de ratos. Terminada a incursão, tudo continua como dantes.

O Rio de Janeiro mostrou que pode ser diferente. Lá as favelas podem sonhar com amanhãs radiantes de paz.

A partir de 2008 o Estado decidiu reconquistar comunidades há muito dominadas por traficantes e milícias. A ação se dá em três etapas. Primeiro tropas de choque da Polícia Militar invadem o morro, expulsam os traficantes, de forma a garantir a segurança local. Três meses depois, as UPPs, Unidades de Polícia Pacificadora, se instalam de modo permanente e preparam a terceira fase, o restabelecimento do poder público com seus serviços econômicos e sociais. 

Até o momento, oito UPPs já foram instaladas e quarenta outras estão programadas para os próximos quatro anos. Em 2011 será a vez da favela da Rocinha, anunciou o governo do Rio de Janeiro.

A presença contínua da Polícia muda significativamente a vida dos habitantes das favelas. Os traficantes desaparecem, vão embora, a violência diminui. 

Está provado que só a ocupação permanente nos morros cariocas, foi capaz de livrar em definitivo os habitantes das mãos dos traficantes e das milícias.

Incursões esporádicas, não levam a nada. A Polícia chega, eles se entocam e, quando ela sai, eles retornam. Com a ocupação permanente realizada pelas UPPs, da Polícia Militar, as coisas mudaram.

Há uma grande diferença no Rio, entre os traficantes e as milícias. Os traficantes não são guerrilheiros, são vendedores de drogas, capazes de agir com violência para preservar seu negócio. As milícias são grupos de bandidos, interessados em extorquir a população, agindo com extrema violência. Os dois são perigosos, os dois fazem parte do crime organizado. Somente a expulsão desses indivíduos é capaz de trazer e implantar a paz.

O que é preciso para que a paz reine em definitivo nas comunidades?

Em primeiro lugar, uma política permanente de construção de moradias dignas, decentes, de erradicação de palafitas, de favelas insanas. Estes novos bairros devem ser aquinhoados com redes de água e esgoto, com projeto urbanístico funcional, providos de áreas de lazer e equipamentos comerciais e comunitários essenciais, servidos por linhas de transportes coletivas acessíveis e integrados à malha viária urbana.

Em seguida, uma política educacional séria, em que os alunos, crianças e adolescentes, fiquem em regime de tempo integral nas escolas, que aí recebam refeições, com atividades escolares, culturais e esportivas e, inclusive, formação profissional, tudo isto a partir de professores capacitados e avaliados sistematicamente, com proventos condizentes com seus esforços e resultados.

Em terceiro lugar, com a ocupação permanente das comunidades pela polícia, como no Rio, com as UPPs.

E, finalmente, com uma política de planejamento familiar que incentive o controle efetivo da natalidade, com orientação permanente, educação para a conscientização dos riscos e responsabilidades pela vida sexual promíscua, com ênfase nos deveres e na responsabilidade de gerar, prover e educar um novo ser. 

Somente assim, garantindo o amanhã dessas comunidades, poderemos ter a certeza de que estaremos garantindo o amanhã de nossos filhos e netos e do nosso Brasil.


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domingo, 3 de outubro de 2010

JUERG HUERLIMANN


Juerg e Núbia no Espaço da Criança



Juerg Huerlimann começou a me enviar e-mails em fevereiro de 2010. Encontrou meu endereço na internet, ao procurar contato para projetos da Fundação Rotária no Brasil.

Sendo do Rotary Club de Laufen, cantão alemão da Suíça, Distrito 1980, manifestou o propósito de visitar o Brasil em agosto e setembro, para gozar o “sabbatical”, uma espécie de licença-prêmio de três meses, a que tinha direito por haver completado dez anos de trabalho em banco. Aproveitaria para conhecer o país, praticar a língua portuguesa, participar de um trabalho social, conhecer novas pessoas.

Juerg fala bem nosso idioma, pois tem esposa portuguesa, é pai de dois meninos, de onze e de nove anos e cursou a Universidade de Coimbra, em Portugal. Disse que gostaria estabelecer parceria entre o seu clube e o Boa Viagem, num projeto em favor das crianças.

Trocamos e-mails ao longo de seis meses, estudamos várias possibilidades. A parceria num projeto da Fundação Rotária tornou-se inviável pelo fato do D-1980 não fazer parte do Plano Visão de Futuro, como o D-4500.

Como ele disse que havia conseguido dez mil dólares para o projeto, ofereci-lhe de pronto a Associação para Restauração do Homem, também conhecida como Espaço da Criança.

A creche, situada no bairro da Boa Vista, assiste à 100 crianças, metade pela manhã e metade à tarde. Funciona há 20 anos numa casa alugada. Acontece que o proprietário pediu a desocupação do imóvel, que se situa numa zona valorizada, pois pretende edificar no local um predio de apartamentos residenciais.

A diretora, ex-presidente do RC Boa Viagem, Núbia Mesquita, adquiriu há cerca de oito anos, um terreno nas proximidades, onde pretende edificar uma nova sede, que deverá estar concluída no prazo de um ano. Os projetos já estão prontos. Será uma construção em concreto pré-moldado, simples, de forma a abrigar as crianças em 4 salas de aulas, a um custo estimado em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).

O programa de viagem de Juerg, inclui duas semanas na China, dez dias no Recife, além de Rio de Janeiro, Brasília e Foz do Iguaçu. Viaja sozinho, pois a esposa e os filhos, não puderam tirar férias nesse período.

Fui recebê-lo no aeroporto. É um homem jovem, de quarenta e dois anos, alto, magro, cabelos claros e rosto sardento.

Estabeleci um programa de passeios turísticos e prestação de serviços humanitários. Visitou os principais pontos do Recife, Olinda e arredores, como Itamaracá e Porto de Galinhas.

Depois de conhecer a creche e o terreno da nova sede, Juerg me disse que queria passar três dias com as crianças. Assim fez. Conversou, brincou, jogou, ensinou geografia, mostrou o país de onde veio em um mapa da Europa.

Ao final, manifestou o desejo de conhecer as casas das crianças.

As funcionárias da creche contataram as mães para obter o salvo conduto e poder entrar na favela dos Coelhos. Fomos, Juerg, eu, uma funcionária e duas mães de alunos.

O impacto foi violento. Mal entramos e nos deparamos com uma pequena multidão nas ruelas estreitas, à porta de barracos. Homens, mulheres, adolescentes de ambos os sexos, formavam uma espécie de fila. Entravam contando dinheiro e saíam carregando pacotes de droga, crack, maconha ou papelotes de cocaína, abertamente, alheios à nossa presença.

Deixamos o ponto de venda e entramos num pequeno beco sobre palafitas à margem do rio Capibaribe.

O quadro é chocante. Começa pelos ambientes sem janela dos barracos de madeira podre, colados uns aos outros, sem espaço, nem ventilação. Não existem instalações sanitárias, as necessidades são despejadas in natura no rio.

Perguntei a três meninos que estavam sentados em um pedaço de tábua, os pés a balançar sobre as águas: Vocês não tomam banho nessa água, não é?

Só quando a maré está cheia, responderam, como se tal significasse a redenção dos pecados.

Alguns ambientes, apesar da pobreza extrema, eram limpos e arrumados. Em outros, o mau cheiro impregnava. Em todos, o calor que irradiava das telhas onduladas era insuportável. Vimos bebês misturados a gatos recém nascidos, embolados na mesma cama. Cinquenta reais é o preço de aluguel de um barraco desses.

À nossa passagem muitas pessoas desocupadas nos espreitavam, desconfiadas.

Juerg Huerlimann pode constatar o quanto é necessária uma creche como o Espaço da Criança, onde, alternando com a escola regular, as crianças recebem reforço escolar, atividades recreativas, alimentação, aulas de informática, tudo de forma gratuita. Os menores, dos cinco aos dezesseis anos, ficam longe das ruas, do tráfico e aprendem os verdadeiros valores morais, para se tornarem cidadãos úteis e produtivos, capazes de constituírem família e ganharem honestamente o pão de cada dia.

Obrigado, Juerg.

Nossas crianças agradecem poder sonhar com um amanhã radiante e pacífico.